domingo, 3 de maio de 2009

sábado, 4 de abril de 2009


CAPÍTULO I - ISABELLA

Como o desabrochar de uma flor uma criança nasce. Os seus olhos mais parecem botões de rosa que se abrem como pétalas, mas logo se fecham. A luz do Mundo onde ela acaba de chegar é tão forte que os seus olhos não resistem à chama de um candeeiro de petróleo que estava sobre a mesa de cabeceira, junto ao berço de verga, onde a mãe a deitara.
A chuva caía lentamente como um canto de embalar. Aqui e ali frias gotas de água rolavam pelo tecto de telha-vã e iam cair no solo de altos e baixos do casebre, onde a recém-nascida dormia. O vento lá fora num leve murmúrio parecia dizer: " dorme que a vida é longo esperança e longa paciência".
Foram decorridos cinco anos. Aos caseiros mais dois filhos nasceram.

* * *

Isabella já tinha dois irmãos, mas ela tinha apenas seus irmão, não tinha bonecas, nem outros brinquedos e nem roupas novas. Seria só isso? Não. A Isabella faltava-lhe qualquer coisa, mais necessária.
Um dia, quando ela tinha seis anos, a sua avó, que vivia numa quinta um pouco afastada foi visitá-la. A pobre Senhora ao olhar a neta estremeceu e logo lhe surgiu a ideia. " Minha neta é infeliz ... vou levá-la comigo". Convidou-a. Isabella radiante pergunta:
__ Para tua casa avozinha?
__ Sim, sim __ respondeu a avó com um sorriso terno nos lábios.
A criança sentiu-se feliz com a ideia de sua avó e, disse:
__ Sim avozinha, mas vou primeiro buscar a cadeirinha que o avozinho deu à menina.
Isabella uma criança meiga e bonita, outrora triste, mas agora feliz e radiante de alegria.
Na casa de sua avó, a qual considera sua, todos os dias pela manhã vai sentar-se no alpendre, onde brinca com as bonecas de trapo que a sua avó lhe havia feito. A pequenita brinca alegremente. Tudo o que a rodeia é belo, amoroso e, assim Isabella esquece os dias sombrios que passaram pela sua vida de criança.
Ao fazer sete anos, a sua avó mandou-a para a escola. Isabella, cheia de entusiasmo gritava e saltava de um para o outro lado, enquanto dizia:
__ Que bom vou para a escola aprender a ler e a escrever!
E assim foi...

CAPÍTULO II - A INCERTEZA

Na escola Isabella fazia os seus trabalhos com todo o interesse. Os seus livros e cadernos andavam sempre limpos, era um gosto olhá-los e folhear as suas páginas. Os seus companheiros admiravam-na e alguns até tentavam imitá-la.
Maria José companheira de carteira de Isabella, era mais velha que esta, sete anos. Era loira de olhos verdes. Muito bonita por sinal, mas andava sempre só e triste. A sua tristeza não a deixava conviver, sorrir e brincar como uma criança normal.
Na hora do recreio, num dia de chuva, Maria José estava sentada num degrau da escada e, chorava.
__ Maria José porque choras? Não tens com quem brincar?
Maria José respondeu-lhe:
__ Não. Tu queres brincar comigo?
__ Sim, quero __ respondeu-lhe Isabella.
E foi assim que Isabella e Maria José se tornaram amigas. Elas brincavam, estudavam, riam às gargalhadas e contavam as suas vidas uma à outra. As suas brincadeiras eram cheias de um carinho puro, de um sentimento igualitário onde só o coração é o rei.
Um dia sentadas no recreio da escola brincavam às sete pedrinhas. De repente ficaram caladas. Olharam-se nos olhos e o silêncio continuou por algum tempo, até que foi interrompido por um dos seus colegas.
__ Isabella, Maria José! Venham: a aula já recomeçou.
Em silêncio levantaram-se... havia lágrimas nos seus olhos. Atrasadas entraram na sala de aulas. A professora perguntou-lhes:
__Meninas aonde estiveram? E qual a razão dessas caras?
Isabella não respondeu. A professora continuou:
__ Maria José, tu és capaz de responder à minha pergunta?
Maria José com os olhos postos no chão, responde:
__ Sim, Senhora Professora.
__ Então fala! Eu quero saber o que se passa __ acrescenta a professora um tanto zangada.
__ Eu e a Isabella estávamos a brincar às sete pedrinhas e não ouvimos tocar o chocalho.
__ É só isso? Então faça o favor de se sentar.
__ Sim, Senhora Professora.
Terminada a aula, as duas amigas saíram juntas. Ambas caminhavam lado a lado caladas, como se alguma coisa misteriosa tivesse acontecido. Isabella interrompeu o silêncio perguntando:
__Maria José estás tão triste esta tarde, que aconteceu?
__ Não sei __ respondeu Maria José à sua amiga. __ Só me sinto triste por minha madrinha estar doente e eu não a poder tratar por causa de vir para a escola.
__ E a tua mãe, não pode tratar da tua madrinha?
__ Eu não tenho mãe. A minha mãe morreu quando eu nasci. O meu pai casou com outra mulher e partiu...
Ambas ficaram ainda mais tristes e nos seus olhos haviam lágrimas represadas. Limparam os olhos e olharam-se em silêncio com expressões de carinho no rosto. Maria José foi quem primeiro falou:
__ E a tua mãe, também morreu?
__ Não __ respondeu Isabella. __ A minha mãe está em casa com o meu pai e com os meus irmãos. Eu estou a viver com os meus avós, mas às vezes sinto saudades de todos...
Calou-se. Ela mesma não sabia explicar. Maria José continuou:
__ Deixa lá não chores, eu sou tua amiga.
Elas eram amigas inseparáveis, mas o destino tão cruel não escolhe indivíduos nem fronteiras. E assim com o acabar do ano lectivo foi marcado o dia da separação desses dois corações que, nada de mal tinham feito ao Mundo. A não ser o de terem nascido no seio de famílias menos felizes e, que só por isso, vinham sendo marcadas para sempre na ignorância e na impossibilidade de amar com instrução os seus filhos. E dar-lhes a compreensão e o carinho de que tanto a criança precisa para ser feliz e saudável.
" Se não reprimir as crianças não precisará de educar os adultos".

sexta-feira, 3 de abril de 2009

* * *

Recomeçadas as aulas voltou o entusiasmo nas crianças da escola mista da província onde se ensinavam as quatro classes primárias. Para Isabella tudo era vácuo, destituído, mas logo a recordação de Maria José surgiu interrogando-a. "Onde estará a minha melhor amiga?
Na grande coragem de que era portadora a sua alma, no corpo frágil onde a esperança nunca adormecia, vivia agora a fúria dos dias solitários, mas mesmo assim Isabella conseguia passar todos os anos, na esperança de todos os dias ver mais além do que os seus olhos lhe mostravam. Ultrapassar a faixa branca que separa o mar do céu e o céu da terra, a grande e infinita faixa que separa as duas faces do Mundo. Mas tudo isto não passava de um sonho. Isabella não continuava os estudo. Eram grandes as dificuldades. O seu avô que tinha saído para a Vila havia dois dias, não regressara a casa. Por toda a parte se perguntava e se falava baixinho, mas ninguém respondia directamente a uma só pergunta que lhe fosse feita.
Na Quinta das Rosas vivia uma mulher e uma criança. Uma criança que sonhava um futuro, que tinha muitas e muitas perguntas a fazer, mas que, nem uma só pronunciava. O seu instinto de criança sabia a resposta. Mas sabia também que seu avô não era mau, mas, todavia estava preso numa casa escura, talvez ainda mais escura que a despensa da escola onde a professora fechava os meninos que não sabiam as lições. "Mas os seus companheiros não sabiam as lições. E seu avô, porque estaria preso numa casa escura?"_ pensava.
Isabella recordava a voz de uma mulher que estava falando do seu avô, na mercearia do Senhor Monteiro, quando ela foi fazer um recado à avó.
"Tu sabes Carolina? O José da Silva está fora de casa há dois dias, ninguém sabe dele, uns dizem que ele está preso, outros que está morto."
" Que dizes mulher? __ Pergunta Carolina. __ Sim. O José da Silva que mora na Quinta das Rosas, o avô de Isabella".
" O quê? Ah mulher! Então o homem nunca fez mal a ninguém. Não pode ser verdade __ acrescenta Carolina."
Enquanto as duas mulheres falam todas as outras pessoas se afastam. Carolina ao olhá-las não pôde calar um grito de revolta e, diz-lhes:
" Oh gente! Porque tenhais medo de ouvir falar de um homem honesto que, nunca roubou nem matou ninguém! Ou tenhais medo que a sua dor, a sua tortura ou a sua morte, um dia sejam louvadas?"
Carolina fez uma pausa e, ao olhar a porta da rua vê Isabella de boca aberta e de lágrimas nos olhos. Carolina logo compreende que as suas palavras, embora com boas intenções, fazem sofrer aquela criança que nada de concreto sabe de seu avô.

* * *

Passados seis meses numa manhã cheia de sol, Isabella salta da sua cama dá os bons dias à avó e, diz:
__ Avozinha, sabes o que pensei enquanto dormia esta noite?
A pobre Senhora fechada em luto e cheia de tristeza não pode resistir àquele contentamento da neta... e...
__ Não minha querida, o que se passa?
Isabella aconchegasse na cama da avó e, pergunta:
__ Queres que te diga avozinha?
__ Sim __ repetia a pobre Senhora.
__ Quero. Quero ir para a costura.
A Senhora D. Isabel mandou a neta para a costura. E a coragem perdida aos poucos voltava ao seu coração como por encanto. Não há dúvida que as crianças são a coisa mais maravilhosa, mais pura que existe sobre a terra. Posso até acrescentar que a profecia que diz: "As crianças são uns anjos". Não é apenas verídico. É real.

quinta-feira, 2 de abril de 2009


CAPÍTULO III - O REENCONTRO

Do outro lado da barreira Maria José passava os dias junto da madrinha a Senhora D. Leonor que continuava doente. Maria José tratava ainda dos trabalhos de casa e da criação como uma verdadeira camponesa. À noite esperava o padrinho que chegava do trabalho cansado pelo fardo dos anos que já tinha e ainda do forçado trabalho que lhe impunham no lagar.
O Senhor Lourenço ao chegar a casa sentava-se na cozinha e esperava que a afilhada lhe servisse a sopa. Maria José como habitualmente já tinha preparada uma bacia com água quente e sal diluído para o padrinho mergulhar os pés enquanto comiam. Depois do jantar reuniam-se os três no quarto de Dona Leonor onde falavam dos mais diversos assuntos e principalmente do futuro de Maria José.
__ Maria José tem pai não devemos esquecê-lo e, como tal tem de olhar pela filha quando eu fechar os olhos __ diz a Senhora D. Leonor e acrescenta. __ Ele é casado tem um lar e pode lá ter a filha. Nós temos de o procurar e dizer-lhe que ela precisa dele mais do que nunca.
O senhor Lourenço ao ouvir as palavras da esposa fica pensativo. Ele ainda não tinha pensado que se a sua companheira fechasse os olhos ficaria na solidão daquela grande quinta. Depois de perder a mulher tinha também de perder a afilhada que criou como filha. Era o grande castigo. O castigo de ser velho. Não era justo __ pensou __ mas não tinham seus pais, seus avós e ainda seus bisavós sofrido o mesmo castigo?! O castigo de ser velho não eram apenas os cabelos brancos, as costas curvadas e as pernas pesadas eram também o frio, a fome, a solidão e ainda a repugnância daqueles que eram jovens.
Maria José ao ouvir as palavras da madrinha ficou triste. Ela olhava para um e para o outro desejando falar, mas as palavras não lhe saíam da garganta. Só muito custo disse:
__ Não. Eu não quero ir para casa do meu pai e da minha madrasta.
A Senhora D. Leonor que a olhava com atenta benevolência, disse-lhe:
__ Mas minha querida, mais tarde ou mais cedo, eu parte deste Mundo, e...
O resto das palavras secam-se-lhe na garganta. Os olhos têm lágrimas represadas que o escuro do quarto só deixava ver quando a lareira se reflectia nos rostos dos três entes queridos. O momento foi de dor. Aquele corpo inerte de vida era o corpo da madrinha que foi a sua segunda mãe e, como esta partia agora para nunca mais voltar.
Ao cair da tarde depois do fúnebre Maria José acompanhada do padrinho chagaram à quinta. Ambos olham em redor e tudo lhes parece diferente. As árvores, as flores, o cão, o gato, a criação e até a casa era mais escura... tudo parecia chorar a morte da Senhora D. Leonor. O Senhor Lourenço olhou demoradamente a afilhada e, disse:
__ Maria José amanhã vou falar com o teu pai para te vir buscar. Não! Não digas nada. Apenas obedece ao último pedido da tua madrinha.
Nos grandes olhos verdes haviam lágrimas de desespero, mas logo a coragem as secou.
__ E tu padrinho? __ Perguntou a custo.
__ Eu fico aqui na quinta __ disse o Senhor Lourenço. __ Podes cá vir quando quiseres.
Ao romper da aurora no dia seguinte o Senhor Lourenço saiu para procurar o pai da afilhada. João Reis era um homem duro com pouca sensibilidade, mas cumpridor dos seus deveres e sobretudo muito orgulhoso. Logo que foi posto ao corrente do sucedido foi buscar a filha para casa. Entregou-a à mulher que a recebeu de braços abertos e logo se tornaram mãe e filha.

* * *

Maria José conheceu a sua irmã Teresa e o seu irmão João, mas a madrasta disse-lhe que ela tinha ainda outra irmã que, não estava em casa. À hora do jantar quando todos estavam à mesa Maria José perguntou:
__ Mãe e a minha irmã não vem jantar?
__ Não __ respondeu a madrasta. __ A tua irmã não vive aqui em casa, mas amanhã vamos as duas à Quinta das Rosas para a conheceres, e vais conhecer também a minha mãe que deves tratar por avó.
No dia seguinte Maria José levantou-se cedo. Vestiu o seu melhor vestido. Penteou o seu longo cabelo cor de ouro. Depois de pronta sentou-se na cama à espera que a mãe lhe fosse dar o laço no cabelo.
__ Bom dia Maria José __ cumprimenta a mãe.
__ Bom dia mãe! Eu estou à vossa espera para dar um laço no meu cabelo.
__ Sim. Então levanta-te para eu atar o teu cabelo e dar o laço na fita. Está lindo...
__ Mãe eu fico assim bonita para ir ver a minha irmã?
__ Sim. Tu estás linda, mas anda comer para chegarmos cedo à Quinta das Rosas.
Durante o percurso mãe e filha não trocaram uma palavra. Ambas pareciam estar desejosas por chegar ao destino. Já na quinta Maria José pergunta:
__ Mãe, como é a minha irmã?
A pergunta ficou sem resposta. O cão ao sentir as recém-chegadas corre aos latidos e aparece logo a Senhora D. Isabel. Depois das apresentações a senhora D. Judite acrescenta:
__ Mãe a Maria José quer conhecer a irmã, ela está em casa?
__ Não. Não está. Ela foi à venda do Senhor Monteiro fazer um recado, mas entrem que ela não demora. Enquanto esperam a Senhora D. Judite e a mãe, a senhora D. Isabel falam dos mais diversos assuntos. Maria José olhava-as impaciente pela demora da irmã.
Ao latido do cão Maria José estremece. Ela sente vontade de se levantar, mas tudo é tão forte e confuso que não consegue. A recém-chegada entra e...
__ Maria José és tu? Que fazes aqui em minha casa?
__ Eu... eu vim visitar-te __ respondeu Maria José a custo ao mesmo tempo que olha a madrasta. Esta sem saber o que se passa fica confusa e pergunta:
__ Isabella já conhecias a Maria José?
__ Sim minha mãe. A Maria José era minha companheira de carteira na escola e a minha melhor amiga.
Abraçam-se.
A Senhora D. Judite e a Senhora D. Isabel ficam olhando as pequenas e naquela confusão não sabem que dizer.
As duas grandes amigas estavam finalmente juntas. Como é grande o destino, que ao contrário da vida é eterno, mas todavia mau e bom como esta.
__ Avozinha posso mostrar as minhas bonecas à minha amiga?
__ Podes sim querida __ respondeu ternamente a avó.
As pequenas afastam-se para o alpendre da casa. As duas mulheres ficam olhando aquelas duas irmãs, que sendo filhas do mesmo pai tinham rostos tão diferentes, mas eram tão iguais o seu carácter.
As duas irmãs sentadas no alpendre brincavam com as bonecas e estavam tão felizes que não mais lembraram o motivo daquele encontro. Quando a avó as chamou ficaram ambas em sobressalto. Entre olharam-se e logo surgiu a pergunta:
__ Maria José como foi que encontraste a minha casa? Perguntaste a alguém conhecido?
__ Não __ respondeu Maria José.
__ Então conta cá, como foi...
Maria José olhava a sua grande amiga e queria contar-lhe como tudo aconteceu, mas nem tinha coragem. Para ela tudo aquilo lhe parecia um pesadelo e uma grande coincidência. A avó voltou a chamar e ambas correram ao chamamento da Senhora D. Isabel que as esperava.
__ Minhas queridas hoje vão passar o dia juntas para poderem brincar com as bonecas e outras brincadeiras ao vosso gosto. Agora vamos almoçar.
Isabella ficou muito contente, mas continuava a não compreender. Depois de se sentarem à mesa, pergunta:
__ Avozinha, a Maria José veio sozinha. Como vai a madrinha dela saber que fica cá?
A mulher perante a interrogação da neta compreende que ela ainda não sabe que a Maria José é sua irmã. A Senhora D. Isabel enche-se de coragem para lhe dar a noticia.
__ Isabella a madrinha de Maria José morreu e ela vai ficar connosco, isto é, em casa dos teus pais e sabes porquê? Porque a Maria José é tua irmã.
A criança ao ouvir aquela confissão fica pasmada. Olha a avó ao mesmo tempo olha a amiga e pergunta:
__ É verdade? É verdade avozinha? Maria José é verdade? Tu sabias?
A irmã a muito custo responde:
__Sim. Sabia...
Abraçaram-se. Os seus olhos tinham lágrimas. Lágrimas que não eram agora de tristeza, mas sim de reencontro que jamais tinham julgado possível.

quarta-feira, 1 de abril de 2009


CAPÌTULO IV - O REGREDDO

No mês de Maio no grande jardim da Quinta das Rosas tudo era belo. No tanque de água fria, muito azul pela sombra do limo havia peixes de várias cores. A Senhora D. Isabel contemplava com saudade toda aquela paisagem que outrora as suas mãos ajudavam a embelezar. No seu espírito renasceu subitamente a vontade de viver, de tratar das flores do seu jardim desprezado há anos.
Na manhã seguinte acompanhada da neta a Senhora D. Isabel decidiu limpar o jardim das ervas ruins. Planta aqui e além pés de malmequeres, de hortenses, de roseiras e de orquídeas. Desbasta ainda dos canteiros a grama que parece não ceder, às outras plantas, a liberdade de crescimento.
Depois de um dia de trabalho, no contacto com a Natureza, ambas se sentiam felizes e ao mesmo tempo fatigadas. Acabadas as tarefas daquele dia foram para a cama logo após o jantar. Pelas altas horas da noite o cão lá longe ladra e corre depois para a porta como que a anunciar a chegada de alguém que, se aproximava da quinta. A mulher acorda em grande sobressalto, desce da cama e caminha de pé ante pé até à porta.
Ela ouve passos. Trémula reza uma oração. Ao mesmo tempo o cão pára de ladrar. A mulher ouve uma voz que parece reconhecer. Da garganta sai um grito, um nome mal pronunciado:
__ "José".
A mulher mal pedia manter-se de pé, mas logo reúne todas as suas forças e corre ao quarto da neta.
__ Isabella acorda, o avozinho está a chegar.
A criança meio adormecida e sem compreender a avó, pergunta:
__ O avozinho está a chegar de onde?
O recém-chegado bate à porta enquanto pronuncia o nome do cão.
__ Leão sou eu, o teu dono.
Este desconfiado volta a ladrar.
Do outro lado da porta estavam avó e neta como que pregadas ao chão. Elas olhavam uma para a outra sem nada pronunciarem. À segunda pancada na porta Isabella puxa do ferrolho desta e abre-a. O homem entra. Abraça as duas e diz:
__ Não tenham medo sou eu, mas por favor não façam perguntas e deixem de me olhar assim. Preciso de água quente para lavar os pés e dormir para descansar o corpo, que há cinco anos é torturado.
A Senhora D. Isabel deixa cair dos olhos duas lágrimas que rolam pelas faces enrugadas. Sem perguntas como lhe pedia o marido vai para a cozinha aquecer a água. O homem descalça as botas quase sem solas e sem biqueira que deixam transparecer os dedos isentos de unhas. O rosto coberto por grande barba branca. As roupas sujas e rotas deixavam ver todo o martírio do seu possuidor. Isabella olhava o seu avô com grande espanto. Receosa pergunta:
__ Avozinho de onde vens com essa roupa tão rota e suja?
O homem olha a neta e não responde. Num impulso puxa-a para si e diz-lhe:
__ Netinha o avozinho vem de muito longe e está muito cansado, por isso vou descansar e amanhã falaremos.
A criança fica calada, mas não deixa de olhar o avô que não parece o seu avô, mas sim um velho mendigo, daquela maneira vestido. A mulher chega com a água quente numa bacia e com uma toalha turca. Ao olhar os pés do marido reclama assustada:
__ Malvados arrancaram-te as unhas? E que mais te fizeram? Olha? Olha como tu tens os dedos em ferida! E até cheiram mal. Mas como pudeste andar até aqui? Quem foi que te trouxe?
A mulher enquanto cuidadosamente lavava os pés do marido que todos julgavam morto fazia perguntas. Perguntas umas atrás das outras, mas as suas perguntas não tinham resposta ou melhor o homem não queria recordar. Não desistira do seu idealismo mesmo depois das grandes torturas porque passou naqueles anos de exílio. Estas não o venceram, pelo contrário avivaram mais o seu desejo de libertar o povo da fome, do trabalho intenso, dos ordenados de miséria. Era urgente que os homens torturados não se deixassem abater. Eles tinham de ser fortes para suportar não só os exploradores como os explorados. Estes últimos que pela ignorância e medo defendiam não os seus interesses, mas o desejo dos patrões que os exploravam. A mulher como o marido não lhe respondeu ficou calada e logo compreendeu que ele precisava de descansar.
No outro dia já o sol ia alto quando José da Silva acordou do sono repousante, de que havia anos não conhecia. Junto dele estavam a mulher e a neta. Ambas caladas olhavam-no. Até que ele diz:
__ Bom dia minhas queridas.
__ Bom dia disseram as duas ao mesmo tempo. Podemos conversar? __ Perguntou a mulher.
__ Que queres que te diga? __ Pergunta ele olhando a neta.
A Senhora D. Isabel manda a neta para a cozinha preparar o café da manhã. Depois desta sair do quarto diz para o marido:
__ José há cinco anos que saíste para a vila e só agora voltas. Eu sinto que tenho o direito de saber o que aconteceu.
O homem perante a insistência da mulher começa a contar o que se passou.
__ Dois homens que não conheci na altura pediram, com uma arma na mão, que os acompanhasse. Eu tentei resistir mas sem resultado. Acompanhei-os. Não sei para onde me levaram, só sei que fui transferido ao fim de algum tempo. Eles vendaram-me os olhos, mas compreendi que ia para Lisboa. Quando lá cheguei tiraram-me a venda dos olhos. Chamaram-me porco comunista e foi ai que soube que estava preso como comunista.
A mulher interrompeu. Não podia ouvir aquelas palavras. E tu o que lhes disseste, perguntou:
__ Nada...
__ Oh homem porque te metes tu nisso? Tu sozinho não podes mudar o Mundo!
__ Está bem mulher dizes bem. Sozinho não posso mudar o Mundo, mas todos juntos de mãos dadas podemos vencer...
__ Mas vencer o quê homem?
__ Vencer aqueles que não querem trabalhar. Aqueles que querem que nós povo trabalhemos de sol a sol e que o dinheiro que nos pagam mal chega para comer pão seco. E ainda aqueles que levam os nossos filhos para a guerra e os obrigam, em nome da Pátria a matar homens, mulheres e crianças que também têm fome e que apenas lutam pelo direito à vida, pela liberdade. Mas mulher queres ouvir o resto?
__ Oh homem! Eu só quero saber como vieste para casa __ disse a mulher impaciente.
__ Depois de tanto interrogatório e tantas torturas mandaram-me para casa, neste estado. Sem roupas, sem dinheiro e sem poder andar. Mas aos poucos cheguei a casa. Pelo caminho pedi esmola e abrigo. Apenas foram quinze dias para chegar ao pé de ti, mulher.
Os olhos encheram-se de lágrimas. A garganta deu um nó e o homem inerte cai na almofada. Mas ele desta vez tem a mulher para cuidar dele e não o médico que lhe dava drogas.

CAPÍTULO V - O PRESENTE DE ANIVERSÁRIO

Naquele ano a indústria conserveira no fim do defeso abriu inscrições para aprendizes. A Senhora D. Inescença logo que soube inscreveu a filha. Esta que era amiga de Maria José correu a dizer-lhe.
__ Maria José, sabes? A minha mãe inscreveu-me na fábrica onde ela trabalha. Tu também queres ir trabalhar comigo?
Maria José e sua amiga Maria Augusta logo começaram a fazer projectos. As duas pediram à Senhora D. Judite que falasse ao pai de Maria José, nas inscrições. Este deu o seu consentimento embora de contra vontade.
Ao fim de poucos dias podíamos vê-las de avental de grandes folhos, lenço branco na cabeça e nos pés graciosas tamancas.
Todos os dias da semana e mesmo alguns domingos Maria José trabalhava na indústria e por essa razão não ajudava a madrasta na lida da casa.
No fim da temporada, com a chegada do defeso, a fábrica parou. Maria José que não via a sua irmã Isabella havia muito tempo foi à Quinta das Rosas visitá-la. Isabella ao ver chegar a irmã ficou radiante e alegremente exclamou:
__ Olá mana! Estou muito contente em te ver. Hoje não foste trabalhar para a fábrica?
__ Não. Hoje não há trabalho __ respondeu Maria José. __ E tu também não vais hoje para a costura?
__ Não __ responde Isabella.
__ Então podemos conversar. Eu tenho novidades para ti __ diz Maria José.
As duas irmãs sentaram-se no alpendre da casa. Maria José olha em redor como a certificar-se que estão sós. Antes de dar a novidade à irmã pergunta:
__ Isabella conheces o primo da tua mestra? O Joaquim Elias.
Isabella fica pensativa: olha a irmã e responde:
__ Sim. Conheço, porque me perguntas?
__ Ora. Porque ele disse-me que gostava de mim e eu conheço-o mal. Gostava que me desses a tua opinião. Mas não quero que digas a ninguém. Está bem?
__ Não. Não digo a ninguém podes ficar descansada, mas conta-me tudo.
Maria José em poucas palavras conta à irmã o que aconteceu. Esta ainda muito nova, mas compreensiva promete mais uma vez guardar segredo.
Estavam tão entretidas com a conversa que quando olharam o relógio eram já cinco horas da tarde. Maria José receosa que o pai chegasse a casa antes dela despediu-se apressadamente da irmã dando-lhe o recado da mãe que, com a conversa, havia esquecido.
__ Isabella a nossa mãe manda pedir que vás lá a casa amanhã.
__ Está bem. Tu diz à mãe que irei __ respondeu Isabella apressadamente.
Quando fica só Isabella pergunta a si mesma o que quererá sua mãe, para a mandar chamar, mesmo no dia do seu aniversário?
No dia seguinte foi visitar a mãe. E o que foi que seus olhos viram? Um lindo bebé. E o mais emocionante é que esse bebé era seu irmão que, nasceu mesmo no dia do seu aniversário. Melhor no dia que ela fez 11 anos. E como ele era pequenino e tão querido. Isabella já não o queria deixar. Queria levá-lo para sua casa. Pois não tinha sido um presente de aniversário que Deus lhe havia mandado? Sim era um presente! __ pensou Isabella, mas não o podia levar, porque ele era tão pequenino e tinha de ficar junto de sua mãe.
A Senhora D. Judite ao ver a filha tão entusiasmada com o bebé pergunta:
__ Isabella gostas do teu irmãozinho?
Isabella olha a mãe e muito satisfeita responde:
__ Sim mãe é lindo o meu irmãozinho. Como se vai chamar?
A mãe pensa um pouco e responde-lhe:
__ Ainda não te sei dizer, filha, mas assim que escolhermos o nome para ele, eu digo-te. Está bem?
Isabella não deixa de olhar o bebé e pede à mãe para o deixar pegar ao colo. A mãe pega no bebé e passa-o para o colo de Isabella que o pega com todo o carinho.

* * *

Numa linda e fresca manhã de domingo Maria José saiu da cama ainda o sol não havia beijado o verdejante relvado que o orvalho da noite prateara. Espontaneamente nasce no seu coração o desejo de ir ao encontro da Natureza e logo exclama de si para si: "Oh mãezinha! Como é linda a manhã cheia de orvalho! Como é lindo o nascer e o pôr-do-sol! Como é linda e Grande a Natureza. Como é linda a vida!
O pai interrompe-a nos seus pensamentos:
__ Em que pensas Maria José __ pergunta o pai, a meia voz, ao mesmo tempo que lhe diz. __ Preciso que vás à mercearia do Senhor Monteiro fazer um recado.
Maria José diz ao pai que vai tratar do banho do bebé e seguidamente vai fazer o recado. A este não agrada muito a ideia, mas concorda. Maria José depois de dar banho ao irmão veste o seu melhor vestido de domingo, penteia o seu cabelo loiro e sai de casa para fazer o recado ao pai. Pelo caminho saiu-lhe à frente um rapaz alto, moreno que ela logo reconheceu. Este logo lhe tira conversa.
__ Olá Maria José! Estás hoje muito bonita. Então, onde vais?
Maria José interrompe-o dizendo:
__ Hoje está um lindo dia. Não acha?
__ Sim está. E onde vais? Posso acompanhar-te __ pergunta o rapaz um pouco trémulo.
Maria José não responde e de olhos no chão caminha apressadamente. Joaquim Elias que fica para trás olha-a com descontentamento, mas logo adianta o passo e pega numa das mãos da jovem e diz:
__ Maria José porque caminhas tão apressadamente e não respondeste à minha pergunta?
O rapaz fez uma pausa e mesmo sem querer aperta os dedos da jovem entre os seus. Os olhos de ambos cruzam-se, os seus corações batem em uníssono: é um amor que nasce. Ambos ficam calados e os seus lábios trémulos imprimem um longo beijo. Quando se separam Maria José parece um passarinho assustado.
__ Joaquim alguém pode ver-nos. Oh! Se meu pai souber...
__ Não tenhas medo. Quem nos pode ver? Aqui não há ninguém. E de mais eu falarei com o teu pai.
__ Oh não, Joaquim!
__ Porque não? Não nos amamos nós por acaso?
__ Sim, mas...
__ Oh minha querida __ exclama o rapaz apertando-a contra si. __ Então sempre é verdade que é correspondido o grande amor que tenho por ti?
A rapariga trémula e envergonhada da sua confissão baixa a cabeça e cai nos braços do seu amado que a aperta com ternura. Depois de um segundo beijo separam-se com a promessa de um reencontro.

terça-feira, 31 de março de 2009


CAPÍTULO VI - O PEDIDO - ANO DA NEVE 1954

Brancos farrapos de neve caíam do céu cinzento, que logo tudo prateara. Aqui e ali apenas se podia ver a verdura que espreitava por detrás das vidraças, aglomeradas por uma extensa barra de neve.
As crianças lá fora na rua brincam ao escorrega, fazem bonecos de neve, saltam, gritam de contentamento. Maria José olha-as através da janela, quando vai para chamá-las vê um vulto de homem que se aproxima da casa. A rapariga logo o reconhece e exclama de si para si: "Oh! Meus Deus é ele! Ele vem falar com o meu pai".
O rapaz chega à rua fala aos irmãos de Maria José que são a Teresa e o João.
__ Meninos eu quero falar com o vosso pai, ele está em casa?
__ Está sim, Senhor __ responde a Teresa e continua a brincar com a neve.
__ Então vai dizer-lhe que quero falar com ele __ acrescenta o recém-chegado.
Teresa era uma criança de oito a nove anos de idade, de grandes olhos castanhos, cabelo curto, nariz espetado, atrevido. Deteve-se da brincadeira. Abeirou-se da porta e chamou o pai.
__ Pai está aqui na rua um Senhor que lhe quer falar.
__ Eu vou já __ responde João Reis.
Maria José trémula como uma menina assustada continuava à janela do quarto olhando a neve que caia sem parar. No seu peito o coração bate-lhe fortemente. Na sua boca os lábios estão mais rubros que nunca. E logo deixa escapar um suspiro: "meu amor".
Quando o pai a chama fica assustada, muito a custo responde:
__ Sim meu pai... vou já!
Quando Maria José chega junto do pai, este pergunta-lhe:
__ Olha filha, tu conheces este rapaz?
__ Conheço sim, meu pai...
__ Então senta-te. Temos de falar __ continua o pai. __ O Joaquim diz gostar de ti, eu quero saber se tu também gostas dele.
__ Sim meu pai, eu gosto dele.
João Reis manda a filha voltar ao trabalho doméstico. Quando fica a sós com o pretendente da filha convida-o para padrinho do filho que tem apenas dias. Este perante o inesperado convite fica confuso, mas pensando em Maria José aceita o convite e pergunta:
__ Senhor João quem é a madrinha do bebé?
Perante a pergunta o homem fica por algum tempo pensativo e responde:
__ A madrinha do bebé pode ser a Maria José. Uma vez que gostam um do outro, não vejo motivo que para o qual, não possam ser padrinhos do meu filho. Pelo contrário...
O rapaz ao ouvir aquelas palavras fica radiante e sorri de contentamento. Tinha finalmente o consentimento do pai de Maria José __ pensou __ mas como iria ele dizer à sua amada que podiam namorar? E que juntos podiam fazer projectos para o futuro?
Uma semana mais tarde depois da repentina separação, o seu pensamento foi realizado. Como tinha aceitado o convite que João Reis lhe havia feito, Joaquim Elias no domingo seguinte voltou a casa deste com o pretexto de ficar ao corrente da data do baptizado. Quando chegou à rua do casebre deu com os olhos em Maria José, que não o esperava.
__ Olá! Como estás Maria José?
__ Eu estou bem, obrigada. E tu?
__ Eu, ao pé do meu amorzinho estou sempre bem __ respondeu o rapaz e aproximando-se da jovem pergunta:
__ O teu pai está em casa? Eu queria falar com ele.
__ Não. O meu pai foi à Quinta do Joaquim dos Barros, mas não deve demorar.
__ Então! Não me digas que estamos sós?
A rapariga não responde. Trémula olha o jovem. Este pega nas mãos da sua amada e aperta-as entre as suas. E de seguida apertou-a ternamente contra si, enquanto os seus lábios foram beijá-la ao de leve nos seus louros cabelos. Numa troca de olhares as suas bocas levemente se juntaram num longo e ardente beijo. O jovem olha-a docemente e ao ouvido dela, diz-lhe:
__ Amo-te, Maria José. Amo-te muito. E não tenhas medo. Os beijos que trocamos não são pecaminosos são simplesmente uma forma de juramento que nos prende. E de mais já falei com teu pai, ele deu-nos o seu consentimento e convidou-me para padrinho do teu irmão. Sabias?
__ Não. Não sabia! __ Exclama Maria José surpreendida.
__ E então vais ser tu o padrinho do meu irmão? E quem vai ser a madrinha?
__ Então o teu pai não te disse nada? Eu sou o padrinho e tu a madrinha __ acrescenta o jovem muito admirado.
A jovem fica sem balbuciar palavra. Olha para ele e sorri, só depois consegue perguntar:
__ Joaquim foi meu pai que te convidou? E como foste capaz de não me dizer nada?
__ Oh! Não, meu amor. Não estejas pensando que fui egoísta.
Maria José ia para falar quando o pai chega. Este dá os bons-dias e manda entrar o jovem para casa. Depois de se sentarem, João Reis pergunta:
__ Há muito tempo que chegou? Eu fui à quinta tratar de uns assuntos.
__ Não Senhor João cheguei agora mesmo. Passei por cá para saber para quando está marcado o baptizado do seu filho. Pois é que para a outra semana vou para Sines. A traineira vai para lá pescar e não sei quando volta.
__ Eu já falei à minha mulher no assunto. Só a Maria José é que não sabe, mas fale-lhe você nisso. E escolham juntos o nome do bebé.
João Reis chama a filha que está na cozinha. Deixando-os a sós sai para tratar dos animais que tem a seu cargo.

* * *

Depois do baptizado do pequeno a quem foi dado o nome de Joaquim José (nome que foi escolhido pelos padrinhos deste ou melhor tirado dos seus próprios nomes) viu-se partir para o mar a pequena traineira com rumo a Sines. Por quanto tempo? Ninguém podia dizer. Só que deixara em terra um coração palpitante contando os dias, as horas e até os minutos de ausência ou soletrando as sílabas de longas cartas escritas à luz de um candeeiro de petróleo. Ou ainda lendo e relendo, carta por carta, noite após noite, antes de adormecer.

CAPÍTULO VII - A PRECIPITADA IDEIA

Quando a traineira "Bom Caminha" atracou ao cais de Sines o mestre António Capinha saltou logo para terra ao encontro do carteiro que habitualmente levava a correspondência. Este só lhe entregou uma carta, a qual era dirigida a Joaquim Elias.
"Joaquim, como já te mandei dizer nas anteriores cartas, minha madrasta continua doente. O seu mal agrava-se, mas o meu pai não pensa em outra coisa que não seja trabalho. Todas as manhãs levanta-se mal-humorado, grita com tudo e com todos. Não quer que eu vá para o meu emprego, mas que vá trabalhar para a quinta que ele traz de renda. Eu tenho já tanto trabalho na casa e ainda trato do bebé. A minha avó trata da minha madrasta, mas nem sempre cá está em casa.
Joaquim estou tão triste. Sou tão infeliz.! Quem me poderá ajudar? Ninguém. Não tenho ninguém?! Pede a Deus, meu amor, que me ajude e me dê forças para suportar esta cruz. Adeus!"
"Maria José"
Joaquim Elias depois de ler a carta de Maria José fica triste. Sentado à mesa, de cabeça baixa e de rosto caído sobre as mãos, pensa. E de repente tem uma ideia, exclama de si para si: é isso! É isso mesmo. Vou escrever-lhe:
"Maria José, pensei muito depois de ler a tua carta e achei uma solução. Não! Não vou como me pedes... pedir a Deus que te ajude, porque isso não é solução e ainda menos ajuda. Vamos sim pedir a Deus, mas juntos, para que nos abençoe. Portanto ouve o que te digo.
Eu, na quinta-feira da próxima semana espero-te na camioneta das 16h. aqui em Sines. Tu aí informa-te da partida. Até lá fala com a minha mãe, para ela te ajudar. E vem meu amor. Vem ter comigo. Logo de seguida casaremos. Nada receies. Se confias na tua avó diz-lhe. E pede-lhe que cuide da tua madrasta e do bebé. No teu pai, nesse, não penses. Ele arranjará uma solução. Adeus!
"Joaquim"
Minutos depois a carta caía dentro do marco do correio. Teria sorte? A carta chegaria ao seu destino?
O moço caminha para bordo da traineira pensativo. Durante o trabalho não dá uma palavra aos seus companheiros. Todos olham para ele de boca aberta e perguntam de si para si. "Que se estará passando com o Joaquim?!"
O mestre da traineira, homem maduro e muito amigo dos seus amigos, aproxima-se dele e pergunta-lhe:
__ Joaquim, que tens tu meu rapaz? Não me digas que foi a carta que te pôs assim tão triste? Vá lá homem... sorri! E conta cá... a carta que te trouxe hoje o carteiro tinha más notícias?
__ Sim mestre __ disse o rapaz e conta ao mestre tudo o que se está a passar. Este tenta ajudá-lo, dizendo:
__ Joaquim eu faço gosto em ser o teu padrinho do casamento, mas não estejas para aí com essa cara. Tem calma e tentemos arranjar casa para quando a moça chegar estar tudo em ordem. Não penses mais nisso.
__ Mestre o que me preocupa não é ela vir para mim, mas sim se ela não vem e fica para lá a sofrer por causa do pai.
__ Deixa lá rapaz ela virá, mas olha, se te encontra com essa cara fica arrependida __ diz o mestre sorrindo.

CAPÍTULO VIII - A DERRADEIRA DECISÃO

Depois de ler a carta do noivo Maria José fica indecisa não sabe que dizer. Pensa no bebé, na madrasta que tem sido como uma mãe para ela, pensa nos pequenos, pensa em Isabella que foi sempre sua amiga, mesmo antes de saber que eram irmãs. Que longe, isso já ia. Pensa na madrinha: "Oh! Se a minha madrinha fosse viva nunca eu teria sofrido tanto com o meu pai. Nem o teria conhecido e, não lhe devia obediência. Perante este pensamento decidiu-se: vou escrever ao Joaquim."
"Joaquim, ao ler a tua carta pensei muito... mas pensei também no nosso futuro. E então decidi ir para junto de ti. Só tenho pena que o meu vestido de noiva não seja branco. Mas pouco importa, só quero ser feliz. E só junto de ti o serei. Ainda hoje falarei com a tua mãe. E tratarei de tudo. Espero que à hora marcada estejas há minha espera como mandas dizer na tua carta. Adeus meu amor! Até na próxima quinta-feira".
Maria José
Depois de terminar a carta Maria José arranja-se para sair. Quando já está pronta vai ao quarto da madrasta buscar uma caixa de loiça de porcelana que esta, lhe tinha oferecido no dia do seu último aniversário.
__ Maria José vais mudar a loiça para outro lugar? Vê lá se a partes!
__ Não minha mãe, não a parto. Terei cuidado __ respondeu Maria José muito nervosa, o que não passou despercebido à madrasta. Mas esta doente como estava levou o nervosismo da enteada como coisa natural.
__ Olha! _ Exclama a madrasta em voz sumida. __ Maria José tem cuidado contigo e não te demores...
__ Está bem, minha mãe. Está bem __ respondeu Maria José enquanto saía de casa.

segunda-feira, 30 de março de 2009

* * *

No dia seguinte depois do almoço Maria José junta toda a roupa suja e vai lavá-la para a Quinta das Rosas. Ao sair de casa recomenda à sua irmã Teresa que vá buscar marmelada ao seu saco de trabalho, para fazer a chucha ao bebé e dar-lha se ele chorar. Esta, mais tarde, quando o bebé acorda vai buscar a marmelada e ao ver uma carta começa a ler em voz alta. A Senhora D. Judite que a ouve grita do quarto.
__ Teresa guarda essa carta! Não leias isso que não são coisas para ti...
Teresa parecia não ouvir a mãe e continuou a ler a carta até que o pai a ouve e, pergunta:
__ Teresa, o que é isso? O que estás a ler? É carta da mana , não é? Lê do princípio. Parece-me que essa carta não diz boa coisa...
A criança recomeça a ler a carta de Joaquim Elias até que o pai lhe pergunta:
__ Teresa onde está a tua irmã?
__ Meu pai, a mana foi lavar a roupa para a Quinta das Rosas.
O homem parecia doido. Foi ao quarto da filha removeu as gavetas uma por uma. Nada encontrou. Estavam vazias. As gavetas, os caixotes da loiça, a mala da roupa. Tudo...
__ Teresa vai à Quinta das Rosas dizer à tua irmã que venha a casa para ir comigo buscar as coisas dela, a casa do Joaquim Elias.
Esta foi imediatamente à Quinta das Rosas. Quando lá chegou disse:
__ Mana anda para casa para ires com o pai a casa do Joaquim Elias buscar as tuas coisas.
Isabella que estava com a sua irmã Maria José ficou pasmada, como não compreendeu a razão daquele recado, perguntou:
__ Mana que foi que aconteceu?
Maria José compreendendo imediatamente que o pai descobrira tudo, não responde à irmã. E correndo para a avó suplica:
__ Avozinha ajude-me! Meu pai quer que eu vá para casa. Eu tenho medo do meu pai. Não quero voltar para casa. Quero ir para casa dos meus futuros sogros __ a rapariga em poucas palavras conta a avó o que se passa. O avô ao ouvi-la, diz:
__ Não! Tu ficas cá em casa. O teu pai não se vai atrever a vir cá buscar-te.
__ Ó homem deixa ir a rapariga para casa da mãe do noivo. É para lá que ela quer ir...
A Senhora D. Palmeirinha, irmã de D. Isabel, ao compreender o que se está passando corre a casa a buscar uma bolsa e entrega a Maria José dizendo:
__ Maria José! Olha querida, vais buscar à tia dois quilos de batatas? __ Pede a tia ao mesmo tempo que lhe pisca um dos olhos para que Maria José compreenda que não é batatas que ela quer, mas sim ajudá-la.
A rapariga pegando na bolsa, disse:
__ Sim tia. Eu vou buscar as batatas para depois ir para casa __ voltando-se para Teresa disse-lhe. __ Teresa vai andando para casa e diz ao pai que eu não demoro.
Esta regateia teimosamente dizendo:
__ Eu vou para casa, mas digo ao pai que tu fugiste para casa do Joaquim Elias.
Maria José olha para todos, como que a dizer adeus. E não dando importância à irmã caminha em direcção à mercearia de Senhor Monteiro. Antes de chegar ao cruzamento transpõe de um salto o muro que já estava um tanto derrubado e segue na direcção contrária àquela que quis dar a entender à irmã. Esta para confirmar as suas suspeitas corre em direcção às escadas que a levavam à varanda que ficava por cima da casa do lavadouro e de onde se podia ver grande parte da região. Quando as suas suspeitas se confirmam desce rapidamente as escadas e exclama:
__ Eu vi! Eu vi! Ela não foi à mercearia do Senhor Monteiro, mas sim para casa do noivo. Ah! Mas eu digo ao meu pai... __ a criança corre em direcção a casa e quando lá chega conta tudo ao pai.

* * *

Na Quinta das Rosas todos os habitantes ficaram de vigília naquele dia, ao cair da tarde. E quando viram passar João Reis, para casa de Joaquim Elias, de grande varapau nas mãos ficaram trémulos e receosos por aquilo que pudesse acontecer à Maria José. Esta, que estava na casa do noivo contava à mãe deste o que se estava a passar.
João Reis depois de ouvir a voz da filha através da janela, decide bater à porta. Quando o dono da casa a vem abrir, este diz:
__ A minha filha está cá. Vá dizer-lhe que venha comigo para casa.
O homem perante os maus modos do recém-chegado manda este aguardar e vai dizer à Maria José que o pai a veio buscar. A rapariga para não pôr em guerra com o pai, os futuros sogros levanta-se e vai pedir ao pai que espero um pouco para ela se despedir dos pais do namorado. Quando Maria José vem para sair, o pai pergunta-lhe:
__ Onde estão as tuas coisas? Eu te digo! Vai buscá-las. Malvada não tens vergonha? Sua porca desavergonhada.
João Reis fora de si desata aos pontapés com a filha, gritando cada vez mais, enquanto lhe chama tudo o que lhe vem à boca. A rapariga amedrontada e cheia de vergonha volta para dentro. Pega num dos sacos da loiça e outro das roupas. Quando volta a sair diz:
__ Meu pai! Estão aqui as minhas coisas.
__ Não tens vergonha? Porca. Desavergonhada __ grita este ao mesmo tempo que lhe dá um forte pontapé nas pernas. As loiças caem no chão e aí se vêem partidos: pratos, copos, chávenas, travessa, terrinas e tantas outras peças...
Maria José caminhando para casa a pé, à frente do pai, apenas gemia. Em todo o percurso que foi cerca de cinco quilómetros ela foi espancada pela pai que tudo tinha de carrasco. Quando chegaram a casa a rapariga mal podia manter-se de pé. O pai continuava a gritar e a bater-lhe. Agora com uma rédea dos cavalos que ele sempre tinha atrás da porta da cavalariça.
A Senhora D. Judite na cama ainda doente, da grande recaída do nascimento do bebé tremia de medo e de febre, como quando na tarde de vinte e oito de Fevereiro de mil novecentos e cinquenta e quatro, o seu corpo tombava em cada passo com o peso da neve que caia sobre ele. Agora, tal como nesse dia, precisava de forças: não para chegar a casa com vida para ver o seu bebé, ainda de dias, mas sim para defender aquela que sempre tratou como filha e que agora a via mal tratada pelo pai. Perante este pensamento reúne todas as suas forças e exclama:
__ Oh homem! Não batas mais na tua filha. Maria José vem cá para o pé de mim...
__ Vai sim. Vai para ao pé da tua madrasta desavergonhada e pede-lhe desculpas por não respeitares os seus conselhos.
A rapariga vai para ao pé daquela a quem sempre chamou de mãe. Não chorava. Pois já nem lágrimas tinha para chorar. Apenas tremia de medo e de vergonha. E ali mesmo, no quarto da madrasta, aos pés da cama passou as últimas horas da noite.

sexta-feira, 27 de março de 2009


CAPÍTULO IX - O ÚLTIMO ADEUS

Depois daquela obscura e temerosa noite Maria José levantou-se da cama, como sempre, antes do nascer do sol. O pai achando ainda poucas as torturas do dia anterior mandou-a, como castigo, para a Quinta dos Barros apanhar figos para secar no almanxar.
Logo depois de chegar à Quinta Maria José caminha, pela propriedade, com uma cesta numa das mãos e na cabeça um grande chapéu de abas largar que, a protegia do sol de Agosto. De seguida ela ouviu a sereia da fábrica que anunciava às operárias, trabalho para aquele dia. Minutos depois passa na estrada, junto à propriedade onde Maria José apanhava os figos, a sua amiga Maria Augusta que ia trabalhar para a fábrica. Esta vendo Maria José a apanhar figos, o que não era o seu habito, pergunta:
__ Maria José! Então? Hoje não vens trabalhar para a fábrica?
__ Não Maria Augusta! Hoje não vou. E não vou nunca mais __ responde Maria José à amiga e acrescenta:
__ Olha Maria Augusta! Tu fazes-me um favor? Trazes-me as minhas tamancas... sim?
__ Está bem. Eu trago-tas... mas olha não sei para quê? Ainda hoje é quinta-feira e a fábrica apitou tão cedo, que deve estar cheia de peixe. E se não vais hoje trabalhar poderás ir amanhã. Mas diz-me cá, porque não vens trabalhar para a fábrica e estás a apanhar figos? __ Perguntou Maria Augusta intrigada.
Maria José antes de responder ficou pensativa. Olhou a amiga nos olhos e por fim diz-lhe:
__ Não Maria Augusta. Não vou trabalhar porque o meu pai mandou-me de castigo a apanhar figos para secar no almanxar... E, eu...
Maria José calou-se. A sua amiga despediu-se, dizendo:
__ Não penses mais nisso! Eu agora estou com pressa, mas amanhã falo com o teu pai para que ele te deixe ir trabalhar. Adeus!
__ Adeus!
Depois da amiga se afastar Maria José vai à quinta para beber água. Quando acaba de beber a água ela continua a sentir sede. Uma sede enorme. Sede que não era de água, mas sim de segurança, de carinho, de compreensão, de amor. Perante esta necessidade, exclama: "oh mãezinha! Ajuda-me! Eu estou só neste Mundo. Não tenho ninguém que me ajude. Só te tenho a ti, mãezinha. Ajuda-me ou chama-me para junto de ti, para assim poderes tratar as negras das minhas costas e das minhas pernas que, tanto me dóem!"
Pensativa, Maria José voltou para trás e caminhou para junto da figueira onde tinha deixado a cesta dos figos quando antes de chegar, junto à cesta, encontrou uma grande corda, a qual tinha sido perdida pelo cocheiro havia algum tempo. Maria José apanhou-a e levou-a consigo para junto da figueira.
Apagar figos não era a especialidade de Maria José, mas apanhou uma cesta cheia de figos que logo despejou na canastra. Depois da cesta estar vazia apanhou cinco grandes figos e com eles faz uma estrela no fundo da mesma. E...
__ Oh, Senhor João! Senhor João __ gritava em altos gritos aflitivos o cocheiro ao chegar à quinta. __ Venham. Venham socorrer a menina Maria José que está pendurada na amendoeira junto ao areeiro. Oh! Ela ainda mexe. Socorro!Socorro! __ O homem continuava a gritar correndo para o corpo já inerte de vida.
João Reis estava na varanda que ficava na parte mais alta da quinta. E estendia ao sol para secar, as alfarrobas que as mulheres tinham apanhado nos últimos dias. Quando este ouve gritos olha em seu redor e, vê a filha debaixo de uma amendoeira, logo em altos berros, grita-lhe:
__ Que fazes aí? Desce daí para baixo desgraçada. Andas ao rebusco de amêndoas? Eu já ai vou...
Ia para descer as escadas quando um homem chega junto dele e, diz-lhe:
__ Senhor João venha ver a sua filha. Ai! Ai meu Deus que grande desgraça que está a acontecer! __ Exclama o homem e correndo para o areeiro junta-se ao aglomerado de pessoas que já lá estavam junto do corpo.
João Reis fica pasmado. Por momentos não diz nada. Depois leva as mãos à cabeça e, num gesto de quem não aguenta aquele desgosto diz:
__ Ó filha. Eu não te bati muito. E só te castiguei hoje. Amanhã ias trabalhar para o teu emprego.
As mulheres que estavam junto do corpo, já cheio de formigas, ao ouvirem o pranto do homem gritam todas ao mesmo tempo:
__ Pai malvado!
__ Assassino!
__ Malvado pai carrasco!
__ Malvado! Tu é que merecias a forca. Anda cá malvado que eu, te tiro a vida. Anda cá, não fujas...
Neste momento chegam as autoridades e antes que as mulheres pudessem mandar as mãos ao homem, estas intervêm.

quinta-feira, 26 de março de 2009

* * *

Na quinta-feira, 19 de Agosto, o dia estava escaldante. Isabella tratava do jardim quando uma mulher chega à quinta com a notícia. A triste notícia de que a Maria José estava morta. Morta e pendurada numa amendoeira junto ao areeiro. Isabella quando ouviu as últimas palavras da mulher correu pela propriedade fora e subindo e descendo muros chegou à quinta dos Barros. Ao chegar junto do areeiro, como louca grita:
__ Oh mana! Mana! Oh mana! Onde estás? Responde-me. Não me ouves? Oh, meu Deus não pode ser verdade __ pensa Isabella e volta a chamar a irmã. __ Mana, responde. Não me ouves? Ma...na. Ma...na...
Isabella caiu desmaiada aos pés da irmã. E antes que alguém tivesse tempo de a segurar ela rebola para dentro do areeiro. O areeiro tinha uma altura bem considerada. As pessoas que estavam junto da amendoeira desceram para a ir buscar e logo foi levada em braços para casa.
José da Silva que tinha acabado de chegar da vila onde ia todos os dias com a filha, a senhora D. Judite, para esta receber tratamento fica surpreendido quando vê chegar em braços a sua neta Isabella. Assustado corre para esta que continua desmaiada. O homem sem saber o que se passa, olha os dois homens que tem na sua frente e, pergunta:
__ Manuel! António! Que se passa? Que aconteceu à minha neta?
Os homens olharam-se entre si como a certificarem-se da grande tragédia que atingia aquela família. Por fim, um deles diz:
__ Senhor José, a menina Maria José pôs termo à vida. E o Senhor dos Barros mandou cá à Quinta uma mulher dar a notícia e, a mesma foi dada à menina Isabella e então ela correu para junto do corpo da irmã. Quando viu o corpo da irmã chegou junto dele e caiu desmaiada robolando para dentro do areeiro. Nós a fomos buscar e trazêmo-la para casa.
José da Silva fica pálido, imóvel. Quando recupera pega na neta ao colo, ao mesmo tempo que, pergunta aos caseiros da Quinta dos Barros:
__ Mas quando aconteceu isso? E porque havia essa mulher de dar uma notícia dessas a uma criança, se havia tanta gente adulta cá na Quinta? Mas que falta de tacto! Mas diz-me Manuel, como foi que a minha neta Maria José pôs termo à vida? E o pai dela, onde está? Ele ainda não sabe?
O homem parecia louco só fazia perguntas, umas atrás das outras e, entre as quais não deixava intervalos para que os homens pudessem responder. Só quando chega a Senhora D. Isabel, ele pára de fazer perguntas. Esta, porém, perplexa pergunta:
__ O que se passa? Aconteceu alguma coisa?
__ Sim, minha Senhora __ respondeu um dos caseiros e acrescentou. __ A menina Maria José está pendurada numa amendoeira junto ao areeiro.
__ Que me diz, Senhor Manuel? A minha neta está pendurada?! __ Pergunta aflita a senhora D. Isabel. __ Mas por favor, explique-se!
O homem voltou a dizer:
__ Sim. Pendurada. Morta.
A Senhora D. Isabel olhando para o marido e para os dois caseiros da Quinta vizinha, volta a perguntar:
__ A minha neta Maria José está morta? Não. Não é verdade. José diz-me que não é verdade. Meu Deus que grande desgraça. E à Isabella que foi que lhe aconteceu para ela estar desmaiada?
O homem que continuava com a neta nos braços correu para casa para a deitar. A mulher de cabeça baixa e de lágrimas nos olhos segue o marido até ao quarto da neta.
Passado algum tempo quando esta volta a si vê a avó no seu quarto e, exclama:
__ Avozinha tive um sonho horrível!
A avó interrompeu-a dizendo:
__ Não minha filha, não foi sonho! Não! Não gritos. Temos de ser fortes por causa da tua mãe. Ela está cá e só vai para casa depois do funeral. E ela minha querida, não pode saber da morte da tua irmã, porque está muito doente. Portanto temos de ser fortes. Prometes ser forte?
__ Sim, avozinha, prometo. Mas eu quero ver a minha irmã.
__ Sim iremos vê-la logo à noite __ diz a Senhora D. Isabel com grande tristeza.
A notícia correu de boca em boca. Todas as pessoas: homens, mulheres e crianças choraram lágrimas de dor pela morte daquela rapariga que sempre conheceram como amiga.

CAPÍTULO X - O FÚNEBRE

Ao cair da noite, lá no fundo da propriedade da Quinta das Rosas numa casa que outrora era habitada pela alegria e felicidade vivia agora a tragédia que jamais circundou aquela família. Já roucos pelo prolongamento ouviam-se ao longe gritos da vizinhança. Os cães ladravam e uivavam como que acabrunhados por uma angústia. Os pássaros que costumavam cantar à noite fizeram greve. A lua estava brilhante como sempre, mas todavia os reflexos do seu brilho eram sem cor, sem luz, sem vida. Como sem vida era também o reflexo do brilho dos olhos da mulher que olhava o céu, num pensamento: "Oh meu Deus, como foste capaz de consentir que Maria José sofresse tanto? Meu Deus, porque não a ajudas-te? Porquê?" Estava no seu pensamento quando o marido a chama baixinho junto a ela:
__ Isabel queres ir ver a tua neta? Eu gostava de ir, mas não posso encarar aquele homem, aquele malvado. Tu vai. Eu fico com a Judite para no caso de ela acordar e precisar de mim.
__ Sim, José. Eu vou ver a nossa neta que se matou pelas torturas que o pai lhe deu. Todos nós fomos bons para ela, mas nada fizemos para que ela se sentisse feliz. Esta é a minha grande dor. Ah! Se eu soubesse que ela sofria tanto ao ponte de se matar tinha sido diferente. E tudo isto foi por causa da doença da Judite. Todos nós, sabes?! Só pensamos na nossa filha e no bebé.
__ Então mulher não chores. E não te estejas a culpar pelo que aconteceu. Olha minha querida esposa se o nosso genro tratasse da filha dele como nós tratamos da nossa filha e, que é ele que tem obrigações porque está casado com ela, nada disto tinha acontecido, mas não, ele só quero é que trabalhem para ele. E a recompensa é esta. Mas deixa... desta vez ele vai pagar na cadeia. Mas olha é já tarde e tens de ver também as outras crianças. Coragem minha querida esposa e, não digas nada a esse homem. Eu trato dele depois. E não deves ir só, leva contigo a tua irmã.
A mulher sentiu a coragem faltar-lhe. E tinha também receio que Isabella voltasse a desmaiar junto do corpo da irmã. Mas tinha de a levar consigo, pois tinha prometido à neta que a levaria a ver a irmã. Nada quis dizer ao marido para que ele não discordasse do que ela havia prometido à neta, mas sentia agora receio pelo que viesse a acontecer . E ela, só ela seria responsável.

quarta-feira, 25 de março de 2009

* * *

Prontas para sair da quinta quando o relógio bate as dez horas da noite. No caminho que separa a quinta do casebre havia uma pequena distância que as mulheres transpuseram em poucos minutos. Quando chegaram ao casebre, este estava circundado por pessoas de todas as aldeias e vilas mais próximas que ali se deslocaram para velar o corpo de Maria José.
Isabella ao ver toda aquela gente fica pasmada, pois nunca ela tinha visto um velório e nem mesmo feito ideia. Lá dentro, numa sala havia uma mesa ao centro, onde estava o corpo que ela procurava com os olhos por toda a parte. Ao chegar junto do corpo olha a rosto já desfigurado da irmã e diz-lhe baixinho:
__ Mana pareces dormir! E estás linda vestida de noiva! Lá no céu para onde vais, não há maldade, nem ódio, nem tão pouco gente má. Lá no céu, mana, só entram os bons. Mana! Mana nunca mais te vejo! Mana tu mataste a tua vida por causa do pai? Pai malvado, mana! Grande tirano! Assassino! Assassino, tirano! Mana quando eu crescer hei-de vingar-te.
João Reis que estava sentado no leito do quarto ao lado ouviu o pranto de Isabella e mandou imediatamente a Teresa ir chamá-la.
__ Isabella vai já dentro ai pai que ele quer falar-te.
__ Sim irei! Tu vai dizer ao pai que irei __ respondeu Isabella com alta voz como se não tivesse medo do pai. E logo de seguida afasta-se do corpo da irmã e caminha em direcção ao quarto onde o pai se encontra. Este diz-lhe:
__ Isabella, que estás para ai a dizer? Olha que o vergalho com que bati na tua irmã ainda não se estragou!
__ O que quer dizer pai? Olhe que eu não sou como a mana. A mim o pai não me mata porque além de eu ter os meus avós, não sou tão boa como ela. A mim podia o pai fazer o corpo negro, como fez à mana, mas havia de pagar por isso __ ao dizer as últimas palavras, Isabella sai do quarto de cabeça erguida.
Quando as pessoas a vêem sair do quarto olham-na admiradas e comovidas pelas suas palavras.
Isabella, como que impelida por uma mola, caminha em direcção ao caixão que se encontra no centro da sala. Ao chegar junto deste diz:
__ Mana, adeus! Eu vou-me embora porque já não precisas de mim. Amanhã estarei à tua espera quando passares à quinta e, irei contigo até à tua última morada.. Mas aqui a esta casa nunca mais voltarei, mana.
Acabadas as palavras, Isabella sai da casa dos pais apenas com uma ideia. Não mais lá voltar.

* * *

Na fábrica conserveira a "Galinha", as operárias trabalham alegremente quando o autofalante do escritório principal chama a atenção das mesmas, para uma notícia:
__ Senhores e senhoras atenção! Como sabem a fábrica tem peixe para trabalharmos todo o dia e ainda para as próximas horas de amanhã. Eu, em nome da gerência, peço a compreensão de todos para o que lhes vou dizer e ainda a calma para a má notícia que lhes vou dar __ O homem parou de falar. Parecia não querer chegar ao fim. Por fim, diz. __ Como ia a dizer tenho uma má notícia para vos dar e, para a qual peço a calma de todos vós. A notícia é a seguinte: __ Amanhã é o funeral de uma operária deste fábrica e dadas as circunstâncias da sua morte e, ainda tratando-se de Maria José, a gerência dá o dia de amanhã para todos poderem acompanhá-la até à sua ultima morada, mas como temos muito peixe e não o podemos mandar fora temos de trabalhar hoje até à uma ou duas horas da madrugada! Estão de acordo?
As mulheres gritavam, falavam alto, ninguém se entendia naquela empresa. O autofalante voltou de novo a soar:
__ Então! Então! Eu tinha-lhe pedido calma! Concordam ou não com a decisão da gerência?
A mestra que tentava a todo o custo acalmar as mulheres, fala em nome destas:
__ Sim, Senhor Aguiar! Vamos trabalhar até acabar o peixe.
Assim aconteceu. Eram já duas horas da madrugada quando as mulheres voltaram para casa.
Às onze horas desse mesmo dia começaram a chegar ao casebre da quinta pessoas de todos os lados para acompanhar ao cemitério, o corpo daquela que lhes era querida.
Além de familiares, colegas de trabalho e amigas chegaram pessoas anónimas, que, corriam apenas ao sabor do trágico acontecimento. E, ainda, à beira da estrada ( a todo o percurso que se calculava em cerca de dez quilómetros) havia pessoas que esperavam ver e acompanhar Maria José à última morada.
Chegados à vila, depois de grande percurso a pé, o corpo de Maria José foi mandado à terra. Sem padre, sem missa de corpo presente. Havia apenas muitas flores, muita dor e muitas lágrimas derramadas dos olhos de amigas/os que com ela conviveram e de perto testemunharam a sua dor e o seu desespero que a levou à morte. As suas amigas mais chegadas que eram mais ou menos da sua idade fizeram questão de se vestirem de branco tal qual como a cor que a vestiram. Mas as suas amigas estavam lindas vestidas de branco e sobretudo com vida e seguravam as borlas do caixão e rezavam a Deus pelo seu perdão. Perdão?! Perdão para um crime que alguém a ajudou a cometer e si mesma. Isabella ali presente estava tão absorvida nos seus sentimentos, quando a sua avó lhe diz:
__ Isabella, anda vamos embora? Já cá não está ninguém.
Isabella olha a avó e ao mesmo tempo volta a olhar o monte de terra fresca. E, duas lágrimas caem dos seus grandes olhos e rolam lentamente pelas faces pálidas.
__ Avozinha deixo-me estar aqui, junto de minha irmã, um pouco mais...

domingo, 22 de março de 2009


CAPÍTULO XI - A NOTÍCIA

No alto mar a noite estava escaldante e o mar calmo. A traineira "Bom Caminho" flutuava ao sabor das ondas. Ondas que brilhavam ao luar de Agosto. Os seus tripulantes mandavam ao mar as redes que, cujos peixes nelas se baralhavam e eram puxados para bordo. Assim, de lance em lance, o porão ficara cheio de peixe e a traineira "Bom Caminho" voltara ou cais de Sines para a esvaziar.
Joaquim Elias ao contrário dos seus companheiros de trabalho, depois da caldeirada fica a bordo. Pensativo vai para o seu beliche. Não ficara só, pois seu pensamento em Maria José encheu completamente o seu espírito. Tanto assim que não sente chegar junto dele o mestre, muito amigo, António Capinha que lhe entrega uma carta dizendo:
__ Joaquim, olha, ela escreveu. Vá! Pega lê a carta... vais ver como eu tinha razão. Ela não veio porque não pôde vir... talvez por causa da madrasta estar doente.
Joaquim mudou logo a sua expressão triste e pegou na carta que o mestre lhe estendia. Num repente abre-a e começa a lê-la. A sua expressão voltou a mudar. O mestre ao olhar o seu rosto pergunta:
__ Então, a carta trás más notícias?
O rapaz não respondeu. Levantou-se do beliche onde estava sentado e caiu nos braços do homem que tem sido um pai para ele. Ambos se abraçam em silêncio. Só que no silêncio se ouvia um choro abafado do homem que mais parecia uma criança. Sim. Joaquim Elias chorava. O mestre ainda não sabia porquê. E parecia que nem coragem tinha para lhe perguntar. Foi Joaquim Elias quem a custo, disso:
__ Mestre! Ela morreu... compreende? A carta... esta carta não é dela é de minha mãe e, diz que ela se matou. Que ela se matou, mestre! Mestre leia-a o Senhor e diga-me que é mentira. Digna-me que ela está viva!
__ Vá lá __ diz o homem. Tenta acalmar-te e mostra-me essa carta.
Depois de ler a carta o homem fica comovido, mas tenta disfarçar dizendo:
__ Olha Joaquim, já é tarde vai descansar que amanhã falaremos e coragem meu rapaz... um homem do mar tem de ser forte.
Ao dizer estas palavras o mestre volta costas para não deixar transparecer duas lágrimas rebeldes que teimavam sair dos seus olhos.
Dias depois na pequena "Quinta Elias" chega o carteiro com uma carta endereçada a José Elias.
"Senhor Elias pensei não lhe dar a notícia para não os afligir, mas todavia o caso é grave e eu viria a ser o responsável. Seu filho depois da tragédia ( que ocorreu aí e de que ele teve conhecimento por uma carta que recebeu da sua esposa) foi internado no hospital com uma lesão cerebral. E o pior é que ele não se quer curar. Pelo contrário tem tentado por várias vezes suicidar-se.
Adeus!

António Capinha

O homem depois de ler a carta grita à mulher:
__ Mariana! Mariana!
__ Sim __ respondeu esta com grande espanto e pergunta. __ Que foi que aconteceu homem, para estares a gritar dessa maneira?
__ O nosso filho está no hospital de Sines e nós temos de lá ir imediatamente.
A mulher fica assustada com as palavras do marido, mas não faz perguntas. Ela conhece bem o filho e também sabe o quanto ele amava aquela rapariga. O coração de mãe adivinha o que se está a passar. Leve como uma pena a Senhora D. Mariana corre ao quarto para fazer a mala. E os dois partem para Sines.

sábado, 21 de março de 2009


CAPÍTULO XII - A INJUSTIÇA

Na Quinta das Rosas todos os dias à mesma hora José da Silva atrelava no carrocim um dos cavalos para transportar à vila a sua filha Judite que, continuava enferma e, a precisar de receber injecções todos os dias.
José da Silva enquanto deixa a filha na sala de espera, para a injecção vai falar ao Dr. Juiz Antunes sobre a morte da neta.
__ Senhor Doutor Juiz, como sabe todos os dias faço esta viagem com minha filha. Os meus deveres de pai têm aumentado. Só tenho pena que os outros pais, assim, não o sejam.
__ É verdade José, o Senhor é um pai exemplar. Mas diga-me o que o traz ao meu escritório?
__ É verdade, Senhor Dr. Juiz, com toda esta conversa desviei-me do assunto que me traz cá __ o homem respira fundo, pois não é muito agradável falar do assunto. Por fim diz. __ Senhor Doutor Juiz, como sabe a minha neta foi espancada pelo pai. E foram essas pancadas e insultos que a levaram a suicidar-se. Senhor Doutor eu também sou pai e, como tal sou contra a pais oprimistas. A meu ver as crianças não se oprimem. Educam-se. Às crianças não se diz: "Não faças isto! Não faças aquilo! Às crianças devemos mostrar-lhes sim, mas só, o que elas devem fazer. E com o crescimento elas compreenderão o que não devem fazer. E nós os pais e educadores estamos cá para lhes ensinar quando necessário. Com carinho, com compreensão e não à pancada". As crianças devem ser livres para crescerem à vontade __ acrescenta o homem um tanto altivo, mas todavia não perde a calma e volta ao assunto. __ Mas Senhor Doutor Juiz voltei de novo a desviar o assunto. Eu queria que o meu genro pagasse na cadeia, aquilo que fez à filha.
__ Está bem José, mas o amigo tem, por acaso, testemunhas como foi ele que a matou?
__ Não, Senhor Doutor Juiz! Eu não tenho testemunhas de ele a ter morto! Pois que a corda ao pescoço não foi ele, quem o pôs. Mas Senhor Doutor Juiz, vossa Ex. sabe que ele deixou o corpo da rapariga negro à pancada. Se a filha não se tivesse enforcado teria morrido dos maus tratos que o pai lhe deu.
__ Está bem José. Eu vou ver o que posso fazer para o castigar, mas não lhe garanto nada.
__ Não é junto Senhor Doutor Juiz! Eu, que nunca fiz mal ninguém, prenderam-me e torturaram-me durante cinco anos, sem eu, ainda hoje saber porquê. E esse homem... Grande injustiça, Senhor Doutor Juiz __ as últimas palavras saíram-lhe tremidas da garganta.
O homem depois de se despedir do Juiz da comarca saiu com a incerta promessa do mesmo. E foi buscar a filha que já o esperava.
Em braços, como uma criança de tenra idade, a Senhora D. Judite é transportada pelo pai, que com todo o cuidado e todo o carinho a deita na carrocim sob uma almofada de lã de ovelha, feita propositadamente para aquele fim. Caminharam de volta à Quinta. Entre pai e filha nem uma só palavra se ouviu. Só quando chegados à Quinta a Senhora D. Judite pergunta em voz muito sumida:
__ Meu pai, eu fico até quando cá na Quinta?
__ Até ficares boa minha filha! Não te deves preocupar com isso __ acrescenta o pai numa expressão segura que dá à Senhora D. Judite a segurança de que ela precisa. E esta agradecida deixa escapar:
__ Obrigada meu pai! Deus todo poderoso há-de-nos ajudar.
Dias depois chega aos ouvidos de José da Silva a morte do Juiz Antunes. O homem fica abalado, não só pela sua morte, mas também pela falta que este irá fazer como membro do poder judicial daquele Concelho. O homem recorda as suas últimas palavras: "José, o Senhor, tem por acaso testemunhas como foi ele que matou a filha?" "Está bem José, eu vou ver o que posso fazer para o castigar, mas não lhe garanto nada." O homem depois deste pensamento, grita:
Não! Não pode ser verdade
Não pode ver verdade!
Ele tem de ser castigado
Tem de ser castigado
Não é à pancada que se educam os filhos,
Não é à pancada!
Não! Não é com a guerra
Que se constrói a paz!
Não é com a guerra,
É com amor,
É com igualdade,
É com amor, em liberdade!
Quando a mulher o chama ele fica assustado, mas tenta disfarçar. Ela diz:
__ José com quem estavas a falar?
__ Eu? Eu não estava a falar com ninguém ou melhor estava a falar para os cavalos.
__ Para os cavalos?__ Pergunta a mulher muito admirada. __ Ah sim, ultimamente andas a falar muito com os cavalos. Não estarás tu doente?
O homem muda de conversa dizendo:
__ Olha, Isabel, são horas de arranjares a Judite para irmos à injecção. E talvez seja hoje que a radiografia esteja pronta. Vai mulher. Despacha-te.
__ A Senhora D. Isabel deixou o marido e foi arranjar a filha que quase não se podia mexer na cama.
Ao regressar da vila com a filha o José da Silva depois do jantar e, de tudo estar em ordem pede à mulher que fique junto dele para poderem conversar. Ela aceitou. Ele diz:
__ Isabel. A radiografia da Judite, diz o médico, tem uma mancha num dos pulmões e, ele diz que é muito grave e perigoso __ o homem pára de falar. A mulher exclama:
__ É grave e perigoso? Que quer isso dizer? E que vamos nós fazer? A nossa filha vai morrer? A nossa filha! Não. Não pode ser. Tens de fazer qualquer coisa. A nossa filha não pode ter essa doença tão má que o médico diz.
__ Sim, Isabel, a nossa filha pode até não ter essa doença. Os médicos enganam-se muitas vezes, mas temos de prevenir-nos. O médico disse-me que as crianças não deviam aproximar-se da mãe.
A Senhora D. Isabel leva as mãos à cabeça e rebenta num vale-de-lágrimas. O marido logo a abraça para a acalmar e diz:
__ Vá lá, não chores. Tudo se vai arranjar.
Na manhã do dia seguinte a Senhora D. Judite pergunta à mãe:
__ Minha mãe onde está Isabella? Não a vejo desde ontem __ a mãe teve de reunir todas as suas forças para dizer:
__ A Isabella está no jardim a tratar das flores! Sabes, este ano temos muitas flores, como : malmequeres, rosas, dálias, hortências, cravos e tantas outras. E os peixes no tanque este ano também se reproduziram muito mais que nos outros anos.
__ Ah, como deve estar bonito o jardim! Como eu gostava de o ir ver e sentar-me debaixo do cedro a respirar o ar puro e sentir o cheiro das flores __ dizendo estas palavras a mulher cai na almofada. Está tão fraca que o esforço que fez para falar, a deixou inerte.
Quando acordou voltou, como era habito, a perguntar à mãe pelos filhos:
__ Minha mãe, como estão a Maria José e o bebé? Como estão todos os meus filhos? Ai os meus filhos, não os vejo há muito tempo! Porquê, minha mãe?
__ Não te canses Judite, os teus filhos estão bem __ diz-lhe carinhosamente a mãe e acrescenta. __ Tu vais para Lisboa, para te curares da tua doença. Há já onze meses que estás doente, não podes estar nem mais um dia aqui. Vais para o hospital e num mês curas-te. Está bem? E deixa os teus filhos. Eu e a Maria José tratamos deles.
A mulher fecha os olhos de alívio. E sente que pode morrer descansada. Os filhos estão bem entregues. Abre os olhos e volta a perguntar sumidamente:
__ Eu vou para o hospital? Ah!
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Acerca de mim

A minha foto
Tenho bom coração, bom carácter, gosto da humanidade em geral, gosto de crianças... diversão: gosto de ler, de escrever, conviver, gostava de ter amigos verdadeiros, como divorciada não gostava de envelhecer sozinha, estou em casa sempre que não trabalho... e gostava de ser mais feliz... encontrar alguém para amar e fugirmos à monotonia.