quarta-feira, 1 de abril de 2009

CAPÌTULO IV - O REGREDDO

No mês de Maio no grande jardim da Quinta das Rosas tudo era belo. No tanque de água fria, muito azul pela sombra do limo havia peixes de várias cores. A Senhora D. Isabel contemplava com saudade toda aquela paisagem que outrora as suas mãos ajudavam a embelezar. No seu espírito renasceu subitamente a vontade de viver, de tratar das flores do seu jardim desprezado há anos.
Na manhã seguinte acompanhada da neta a Senhora D. Isabel decidiu limpar o jardim das ervas ruins. Planta aqui e além pés de malmequeres, de hortenses, de roseiras e de orquídeas. Desbasta ainda dos canteiros a grama que parece não ceder, às outras plantas, a liberdade de crescimento.
Depois de um dia de trabalho, no contacto com a Natureza, ambas se sentiam felizes e ao mesmo tempo fatigadas. Acabadas as tarefas daquele dia foram para a cama logo após o jantar. Pelas altas horas da noite o cão lá longe ladra e corre depois para a porta como que a anunciar a chegada de alguém que, se aproximava da quinta. A mulher acorda em grande sobressalto, desce da cama e caminha de pé ante pé até à porta.
Ela ouve passos. Trémula reza uma oração. Ao mesmo tempo o cão pára de ladrar. A mulher ouve uma voz que parece reconhecer. Da garganta sai um grito, um nome mal pronunciado:
__ "José".
A mulher mal pedia manter-se de pé, mas logo reúne todas as suas forças e corre ao quarto da neta.
__ Isabella acorda, o avozinho está a chegar.
A criança meio adormecida e sem compreender a avó, pergunta:
__ O avozinho está a chegar de onde?
O recém-chegado bate à porta enquanto pronuncia o nome do cão.
__ Leão sou eu, o teu dono.
Este desconfiado volta a ladrar.
Do outro lado da porta estavam avó e neta como que pregadas ao chão. Elas olhavam uma para a outra sem nada pronunciarem. À segunda pancada na porta Isabella puxa do ferrolho desta e abre-a. O homem entra. Abraça as duas e diz:
__ Não tenham medo sou eu, mas por favor não façam perguntas e deixem de me olhar assim. Preciso de água quente para lavar os pés e dormir para descansar o corpo, que há cinco anos é torturado.
A Senhora D. Isabel deixa cair dos olhos duas lágrimas que rolam pelas faces enrugadas. Sem perguntas como lhe pedia o marido vai para a cozinha aquecer a água. O homem descalça as botas quase sem solas e sem biqueira que deixam transparecer os dedos isentos de unhas. O rosto coberto por grande barba branca. As roupas sujas e rotas deixavam ver todo o martírio do seu possuidor. Isabella olhava o seu avô com grande espanto. Receosa pergunta:
__ Avozinho de onde vens com essa roupa tão rota e suja?
O homem olha a neta e não responde. Num impulso puxa-a para si e diz-lhe:
__ Netinha o avozinho vem de muito longe e está muito cansado, por isso vou descansar e amanhã falaremos.
A criança fica calada, mas não deixa de olhar o avô que não parece o seu avô, mas sim um velho mendigo, daquela maneira vestido. A mulher chega com a água quente numa bacia e com uma toalha turca. Ao olhar os pés do marido reclama assustada:
__ Malvados arrancaram-te as unhas? E que mais te fizeram? Olha? Olha como tu tens os dedos em ferida! E até cheiram mal. Mas como pudeste andar até aqui? Quem foi que te trouxe?
A mulher enquanto cuidadosamente lavava os pés do marido que todos julgavam morto fazia perguntas. Perguntas umas atrás das outras, mas as suas perguntas não tinham resposta ou melhor o homem não queria recordar. Não desistira do seu idealismo mesmo depois das grandes torturas porque passou naqueles anos de exílio. Estas não o venceram, pelo contrário avivaram mais o seu desejo de libertar o povo da fome, do trabalho intenso, dos ordenados de miséria. Era urgente que os homens torturados não se deixassem abater. Eles tinham de ser fortes para suportar não só os exploradores como os explorados. Estes últimos que pela ignorância e medo defendiam não os seus interesses, mas o desejo dos patrões que os exploravam. A mulher como o marido não lhe respondeu ficou calada e logo compreendeu que ele precisava de descansar.
No outro dia já o sol ia alto quando José da Silva acordou do sono repousante, de que havia anos não conhecia. Junto dele estavam a mulher e a neta. Ambas caladas olhavam-no. Até que ele diz:
__ Bom dia minhas queridas.
__ Bom dia disseram as duas ao mesmo tempo. Podemos conversar? __ Perguntou a mulher.
__ Que queres que te diga? __ Pergunta ele olhando a neta.
A Senhora D. Isabel manda a neta para a cozinha preparar o café da manhã. Depois desta sair do quarto diz para o marido:
__ José há cinco anos que saíste para a vila e só agora voltas. Eu sinto que tenho o direito de saber o que aconteceu.
O homem perante a insistência da mulher começa a contar o que se passou.
__ Dois homens que não conheci na altura pediram, com uma arma na mão, que os acompanhasse. Eu tentei resistir mas sem resultado. Acompanhei-os. Não sei para onde me levaram, só sei que fui transferido ao fim de algum tempo. Eles vendaram-me os olhos, mas compreendi que ia para Lisboa. Quando lá cheguei tiraram-me a venda dos olhos. Chamaram-me porco comunista e foi ai que soube que estava preso como comunista.
A mulher interrompeu. Não podia ouvir aquelas palavras. E tu o que lhes disseste, perguntou:
__ Nada...
__ Oh homem porque te metes tu nisso? Tu sozinho não podes mudar o Mundo!
__ Está bem mulher dizes bem. Sozinho não posso mudar o Mundo, mas todos juntos de mãos dadas podemos vencer...
__ Mas vencer o quê homem?
__ Vencer aqueles que não querem trabalhar. Aqueles que querem que nós povo trabalhemos de sol a sol e que o dinheiro que nos pagam mal chega para comer pão seco. E ainda aqueles que levam os nossos filhos para a guerra e os obrigam, em nome da Pátria a matar homens, mulheres e crianças que também têm fome e que apenas lutam pelo direito à vida, pela liberdade. Mas mulher queres ouvir o resto?
__ Oh homem! Eu só quero saber como vieste para casa __ disse a mulher impaciente.
__ Depois de tanto interrogatório e tantas torturas mandaram-me para casa, neste estado. Sem roupas, sem dinheiro e sem poder andar. Mas aos poucos cheguei a casa. Pelo caminho pedi esmola e abrigo. Apenas foram quinze dias para chegar ao pé de ti, mulher.
Os olhos encheram-se de lágrimas. A garganta deu um nó e o homem inerte cai na almofada. Mas ele desta vez tem a mulher para cuidar dele e não o médico que lhe dava drogas.

1 comentário:

Isabel Moreira Rego disse...

Está na hora de começarem a ler este livro que muito trabalho deu para ser colocado aqui na net.
Eu gosto de o ler.
boa leitura.

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Tenho bom coração, bom carácter, gosto da humanidade em geral, gosto de crianças... diversão: gosto de ler, de escrever, conviver, gostava de ter amigos verdadeiros, como divorciada não gostava de envelhecer sozinha, estou em casa sempre que não trabalho... e gostava de ser mais feliz... encontrar alguém para amar e fugirmos à monotonia.