terça-feira, 31 de março de 2009


CAPÍTULO VI - O PEDIDO - ANO DA NEVE 1954

Brancos farrapos de neve caíam do céu cinzento, que logo tudo prateara. Aqui e ali apenas se podia ver a verdura que espreitava por detrás das vidraças, aglomeradas por uma extensa barra de neve.
As crianças lá fora na rua brincam ao escorrega, fazem bonecos de neve, saltam, gritam de contentamento. Maria José olha-as através da janela, quando vai para chamá-las vê um vulto de homem que se aproxima da casa. A rapariga logo o reconhece e exclama de si para si: "Oh! Meus Deus é ele! Ele vem falar com o meu pai".
O rapaz chega à rua fala aos irmãos de Maria José que são a Teresa e o João.
__ Meninos eu quero falar com o vosso pai, ele está em casa?
__ Está sim, Senhor __ responde a Teresa e continua a brincar com a neve.
__ Então vai dizer-lhe que quero falar com ele __ acrescenta o recém-chegado.
Teresa era uma criança de oito a nove anos de idade, de grandes olhos castanhos, cabelo curto, nariz espetado, atrevido. Deteve-se da brincadeira. Abeirou-se da porta e chamou o pai.
__ Pai está aqui na rua um Senhor que lhe quer falar.
__ Eu vou já __ responde João Reis.
Maria José trémula como uma menina assustada continuava à janela do quarto olhando a neve que caia sem parar. No seu peito o coração bate-lhe fortemente. Na sua boca os lábios estão mais rubros que nunca. E logo deixa escapar um suspiro: "meu amor".
Quando o pai a chama fica assustada, muito a custo responde:
__ Sim meu pai... vou já!
Quando Maria José chega junto do pai, este pergunta-lhe:
__ Olha filha, tu conheces este rapaz?
__ Conheço sim, meu pai...
__ Então senta-te. Temos de falar __ continua o pai. __ O Joaquim diz gostar de ti, eu quero saber se tu também gostas dele.
__ Sim meu pai, eu gosto dele.
João Reis manda a filha voltar ao trabalho doméstico. Quando fica a sós com o pretendente da filha convida-o para padrinho do filho que tem apenas dias. Este perante o inesperado convite fica confuso, mas pensando em Maria José aceita o convite e pergunta:
__ Senhor João quem é a madrinha do bebé?
Perante a pergunta o homem fica por algum tempo pensativo e responde:
__ A madrinha do bebé pode ser a Maria José. Uma vez que gostam um do outro, não vejo motivo que para o qual, não possam ser padrinhos do meu filho. Pelo contrário...
O rapaz ao ouvir aquelas palavras fica radiante e sorri de contentamento. Tinha finalmente o consentimento do pai de Maria José __ pensou __ mas como iria ele dizer à sua amada que podiam namorar? E que juntos podiam fazer projectos para o futuro?
Uma semana mais tarde depois da repentina separação, o seu pensamento foi realizado. Como tinha aceitado o convite que João Reis lhe havia feito, Joaquim Elias no domingo seguinte voltou a casa deste com o pretexto de ficar ao corrente da data do baptizado. Quando chegou à rua do casebre deu com os olhos em Maria José, que não o esperava.
__ Olá! Como estás Maria José?
__ Eu estou bem, obrigada. E tu?
__ Eu, ao pé do meu amorzinho estou sempre bem __ respondeu o rapaz e aproximando-se da jovem pergunta:
__ O teu pai está em casa? Eu queria falar com ele.
__ Não. O meu pai foi à Quinta do Joaquim dos Barros, mas não deve demorar.
__ Então! Não me digas que estamos sós?
A rapariga não responde. Trémula olha o jovem. Este pega nas mãos da sua amada e aperta-as entre as suas. E de seguida apertou-a ternamente contra si, enquanto os seus lábios foram beijá-la ao de leve nos seus louros cabelos. Numa troca de olhares as suas bocas levemente se juntaram num longo e ardente beijo. O jovem olha-a docemente e ao ouvido dela, diz-lhe:
__ Amo-te, Maria José. Amo-te muito. E não tenhas medo. Os beijos que trocamos não são pecaminosos são simplesmente uma forma de juramento que nos prende. E de mais já falei com teu pai, ele deu-nos o seu consentimento e convidou-me para padrinho do teu irmão. Sabias?
__ Não. Não sabia! __ Exclama Maria José surpreendida.
__ E então vais ser tu o padrinho do meu irmão? E quem vai ser a madrinha?
__ Então o teu pai não te disse nada? Eu sou o padrinho e tu a madrinha __ acrescenta o jovem muito admirado.
A jovem fica sem balbuciar palavra. Olha para ele e sorri, só depois consegue perguntar:
__ Joaquim foi meu pai que te convidou? E como foste capaz de não me dizer nada?
__ Oh! Não, meu amor. Não estejas pensando que fui egoísta.
Maria José ia para falar quando o pai chega. Este dá os bons-dias e manda entrar o jovem para casa. Depois de se sentarem, João Reis pergunta:
__ Há muito tempo que chegou? Eu fui à quinta tratar de uns assuntos.
__ Não Senhor João cheguei agora mesmo. Passei por cá para saber para quando está marcado o baptizado do seu filho. Pois é que para a outra semana vou para Sines. A traineira vai para lá pescar e não sei quando volta.
__ Eu já falei à minha mulher no assunto. Só a Maria José é que não sabe, mas fale-lhe você nisso. E escolham juntos o nome do bebé.
João Reis chama a filha que está na cozinha. Deixando-os a sós sai para tratar dos animais que tem a seu cargo.

* * *

Depois do baptizado do pequeno a quem foi dado o nome de Joaquim José (nome que foi escolhido pelos padrinhos deste ou melhor tirado dos seus próprios nomes) viu-se partir para o mar a pequena traineira com rumo a Sines. Por quanto tempo? Ninguém podia dizer. Só que deixara em terra um coração palpitante contando os dias, as horas e até os minutos de ausência ou soletrando as sílabas de longas cartas escritas à luz de um candeeiro de petróleo. Ou ainda lendo e relendo, carta por carta, noite após noite, antes de adormecer.

CAPÍTULO VII - A PRECIPITADA IDEIA

Quando a traineira "Bom Caminha" atracou ao cais de Sines o mestre António Capinha saltou logo para terra ao encontro do carteiro que habitualmente levava a correspondência. Este só lhe entregou uma carta, a qual era dirigida a Joaquim Elias.
"Joaquim, como já te mandei dizer nas anteriores cartas, minha madrasta continua doente. O seu mal agrava-se, mas o meu pai não pensa em outra coisa que não seja trabalho. Todas as manhãs levanta-se mal-humorado, grita com tudo e com todos. Não quer que eu vá para o meu emprego, mas que vá trabalhar para a quinta que ele traz de renda. Eu tenho já tanto trabalho na casa e ainda trato do bebé. A minha avó trata da minha madrasta, mas nem sempre cá está em casa.
Joaquim estou tão triste. Sou tão infeliz.! Quem me poderá ajudar? Ninguém. Não tenho ninguém?! Pede a Deus, meu amor, que me ajude e me dê forças para suportar esta cruz. Adeus!"
"Maria José"
Joaquim Elias depois de ler a carta de Maria José fica triste. Sentado à mesa, de cabeça baixa e de rosto caído sobre as mãos, pensa. E de repente tem uma ideia, exclama de si para si: é isso! É isso mesmo. Vou escrever-lhe:
"Maria José, pensei muito depois de ler a tua carta e achei uma solução. Não! Não vou como me pedes... pedir a Deus que te ajude, porque isso não é solução e ainda menos ajuda. Vamos sim pedir a Deus, mas juntos, para que nos abençoe. Portanto ouve o que te digo.
Eu, na quinta-feira da próxima semana espero-te na camioneta das 16h. aqui em Sines. Tu aí informa-te da partida. Até lá fala com a minha mãe, para ela te ajudar. E vem meu amor. Vem ter comigo. Logo de seguida casaremos. Nada receies. Se confias na tua avó diz-lhe. E pede-lhe que cuide da tua madrasta e do bebé. No teu pai, nesse, não penses. Ele arranjará uma solução. Adeus!
"Joaquim"
Minutos depois a carta caía dentro do marco do correio. Teria sorte? A carta chegaria ao seu destino?
O moço caminha para bordo da traineira pensativo. Durante o trabalho não dá uma palavra aos seus companheiros. Todos olham para ele de boca aberta e perguntam de si para si. "Que se estará passando com o Joaquim?!"
O mestre da traineira, homem maduro e muito amigo dos seus amigos, aproxima-se dele e pergunta-lhe:
__ Joaquim, que tens tu meu rapaz? Não me digas que foi a carta que te pôs assim tão triste? Vá lá homem... sorri! E conta cá... a carta que te trouxe hoje o carteiro tinha más notícias?
__ Sim mestre __ disse o rapaz e conta ao mestre tudo o que se está a passar. Este tenta ajudá-lo, dizendo:
__ Joaquim eu faço gosto em ser o teu padrinho do casamento, mas não estejas para aí com essa cara. Tem calma e tentemos arranjar casa para quando a moça chegar estar tudo em ordem. Não penses mais nisso.
__ Mestre o que me preocupa não é ela vir para mim, mas sim se ela não vem e fica para lá a sofrer por causa do pai.
__ Deixa lá rapaz ela virá, mas olha, se te encontra com essa cara fica arrependida __ diz o mestre sorrindo.

CAPÍTULO VIII - A DERRADEIRA DECISÃO

Depois de ler a carta do noivo Maria José fica indecisa não sabe que dizer. Pensa no bebé, na madrasta que tem sido como uma mãe para ela, pensa nos pequenos, pensa em Isabella que foi sempre sua amiga, mesmo antes de saber que eram irmãs. Que longe, isso já ia. Pensa na madrinha: "Oh! Se a minha madrinha fosse viva nunca eu teria sofrido tanto com o meu pai. Nem o teria conhecido e, não lhe devia obediência. Perante este pensamento decidiu-se: vou escrever ao Joaquim."
"Joaquim, ao ler a tua carta pensei muito... mas pensei também no nosso futuro. E então decidi ir para junto de ti. Só tenho pena que o meu vestido de noiva não seja branco. Mas pouco importa, só quero ser feliz. E só junto de ti o serei. Ainda hoje falarei com a tua mãe. E tratarei de tudo. Espero que à hora marcada estejas há minha espera como mandas dizer na tua carta. Adeus meu amor! Até na próxima quinta-feira".
Maria José
Depois de terminar a carta Maria José arranja-se para sair. Quando já está pronta vai ao quarto da madrasta buscar uma caixa de loiça de porcelana que esta, lhe tinha oferecido no dia do seu último aniversário.
__ Maria José vais mudar a loiça para outro lugar? Vê lá se a partes!
__ Não minha mãe, não a parto. Terei cuidado __ respondeu Maria José muito nervosa, o que não passou despercebido à madrasta. Mas esta doente como estava levou o nervosismo da enteada como coisa natural.
__ Olha! _ Exclama a madrasta em voz sumida. __ Maria José tem cuidado contigo e não te demores...
__ Está bem, minha mãe. Está bem __ respondeu Maria José enquanto saía de casa.

segunda-feira, 30 de março de 2009

* * *

No dia seguinte depois do almoço Maria José junta toda a roupa suja e vai lavá-la para a Quinta das Rosas. Ao sair de casa recomenda à sua irmã Teresa que vá buscar marmelada ao seu saco de trabalho, para fazer a chucha ao bebé e dar-lha se ele chorar. Esta, mais tarde, quando o bebé acorda vai buscar a marmelada e ao ver uma carta começa a ler em voz alta. A Senhora D. Judite que a ouve grita do quarto.
__ Teresa guarda essa carta! Não leias isso que não são coisas para ti...
Teresa parecia não ouvir a mãe e continuou a ler a carta até que o pai a ouve e, pergunta:
__ Teresa, o que é isso? O que estás a ler? É carta da mana , não é? Lê do princípio. Parece-me que essa carta não diz boa coisa...
A criança recomeça a ler a carta de Joaquim Elias até que o pai lhe pergunta:
__ Teresa onde está a tua irmã?
__ Meu pai, a mana foi lavar a roupa para a Quinta das Rosas.
O homem parecia doido. Foi ao quarto da filha removeu as gavetas uma por uma. Nada encontrou. Estavam vazias. As gavetas, os caixotes da loiça, a mala da roupa. Tudo...
__ Teresa vai à Quinta das Rosas dizer à tua irmã que venha a casa para ir comigo buscar as coisas dela, a casa do Joaquim Elias.
Esta foi imediatamente à Quinta das Rosas. Quando lá chegou disse:
__ Mana anda para casa para ires com o pai a casa do Joaquim Elias buscar as tuas coisas.
Isabella que estava com a sua irmã Maria José ficou pasmada, como não compreendeu a razão daquele recado, perguntou:
__ Mana que foi que aconteceu?
Maria José compreendendo imediatamente que o pai descobrira tudo, não responde à irmã. E correndo para a avó suplica:
__ Avozinha ajude-me! Meu pai quer que eu vá para casa. Eu tenho medo do meu pai. Não quero voltar para casa. Quero ir para casa dos meus futuros sogros __ a rapariga em poucas palavras conta a avó o que se passa. O avô ao ouvi-la, diz:
__ Não! Tu ficas cá em casa. O teu pai não se vai atrever a vir cá buscar-te.
__ Ó homem deixa ir a rapariga para casa da mãe do noivo. É para lá que ela quer ir...
A Senhora D. Palmeirinha, irmã de D. Isabel, ao compreender o que se está passando corre a casa a buscar uma bolsa e entrega a Maria José dizendo:
__ Maria José! Olha querida, vais buscar à tia dois quilos de batatas? __ Pede a tia ao mesmo tempo que lhe pisca um dos olhos para que Maria José compreenda que não é batatas que ela quer, mas sim ajudá-la.
A rapariga pegando na bolsa, disse:
__ Sim tia. Eu vou buscar as batatas para depois ir para casa __ voltando-se para Teresa disse-lhe. __ Teresa vai andando para casa e diz ao pai que eu não demoro.
Esta regateia teimosamente dizendo:
__ Eu vou para casa, mas digo ao pai que tu fugiste para casa do Joaquim Elias.
Maria José olha para todos, como que a dizer adeus. E não dando importância à irmã caminha em direcção à mercearia de Senhor Monteiro. Antes de chegar ao cruzamento transpõe de um salto o muro que já estava um tanto derrubado e segue na direcção contrária àquela que quis dar a entender à irmã. Esta para confirmar as suas suspeitas corre em direcção às escadas que a levavam à varanda que ficava por cima da casa do lavadouro e de onde se podia ver grande parte da região. Quando as suas suspeitas se confirmam desce rapidamente as escadas e exclama:
__ Eu vi! Eu vi! Ela não foi à mercearia do Senhor Monteiro, mas sim para casa do noivo. Ah! Mas eu digo ao meu pai... __ a criança corre em direcção a casa e quando lá chega conta tudo ao pai.

* * *

Na Quinta das Rosas todos os habitantes ficaram de vigília naquele dia, ao cair da tarde. E quando viram passar João Reis, para casa de Joaquim Elias, de grande varapau nas mãos ficaram trémulos e receosos por aquilo que pudesse acontecer à Maria José. Esta, que estava na casa do noivo contava à mãe deste o que se estava a passar.
João Reis depois de ouvir a voz da filha através da janela, decide bater à porta. Quando o dono da casa a vem abrir, este diz:
__ A minha filha está cá. Vá dizer-lhe que venha comigo para casa.
O homem perante os maus modos do recém-chegado manda este aguardar e vai dizer à Maria José que o pai a veio buscar. A rapariga para não pôr em guerra com o pai, os futuros sogros levanta-se e vai pedir ao pai que espero um pouco para ela se despedir dos pais do namorado. Quando Maria José vem para sair, o pai pergunta-lhe:
__ Onde estão as tuas coisas? Eu te digo! Vai buscá-las. Malvada não tens vergonha? Sua porca desavergonhada.
João Reis fora de si desata aos pontapés com a filha, gritando cada vez mais, enquanto lhe chama tudo o que lhe vem à boca. A rapariga amedrontada e cheia de vergonha volta para dentro. Pega num dos sacos da loiça e outro das roupas. Quando volta a sair diz:
__ Meu pai! Estão aqui as minhas coisas.
__ Não tens vergonha? Porca. Desavergonhada __ grita este ao mesmo tempo que lhe dá um forte pontapé nas pernas. As loiças caem no chão e aí se vêem partidos: pratos, copos, chávenas, travessa, terrinas e tantas outras peças...
Maria José caminhando para casa a pé, à frente do pai, apenas gemia. Em todo o percurso que foi cerca de cinco quilómetros ela foi espancada pela pai que tudo tinha de carrasco. Quando chegaram a casa a rapariga mal podia manter-se de pé. O pai continuava a gritar e a bater-lhe. Agora com uma rédea dos cavalos que ele sempre tinha atrás da porta da cavalariça.
A Senhora D. Judite na cama ainda doente, da grande recaída do nascimento do bebé tremia de medo e de febre, como quando na tarde de vinte e oito de Fevereiro de mil novecentos e cinquenta e quatro, o seu corpo tombava em cada passo com o peso da neve que caia sobre ele. Agora, tal como nesse dia, precisava de forças: não para chegar a casa com vida para ver o seu bebé, ainda de dias, mas sim para defender aquela que sempre tratou como filha e que agora a via mal tratada pelo pai. Perante este pensamento reúne todas as suas forças e exclama:
__ Oh homem! Não batas mais na tua filha. Maria José vem cá para o pé de mim...
__ Vai sim. Vai para ao pé da tua madrasta desavergonhada e pede-lhe desculpas por não respeitares os seus conselhos.
A rapariga vai para ao pé daquela a quem sempre chamou de mãe. Não chorava. Pois já nem lágrimas tinha para chorar. Apenas tremia de medo e de vergonha. E ali mesmo, no quarto da madrasta, aos pés da cama passou as últimas horas da noite.

sexta-feira, 27 de março de 2009


CAPÍTULO IX - O ÚLTIMO ADEUS

Depois daquela obscura e temerosa noite Maria José levantou-se da cama, como sempre, antes do nascer do sol. O pai achando ainda poucas as torturas do dia anterior mandou-a, como castigo, para a Quinta dos Barros apanhar figos para secar no almanxar.
Logo depois de chegar à Quinta Maria José caminha, pela propriedade, com uma cesta numa das mãos e na cabeça um grande chapéu de abas largar que, a protegia do sol de Agosto. De seguida ela ouviu a sereia da fábrica que anunciava às operárias, trabalho para aquele dia. Minutos depois passa na estrada, junto à propriedade onde Maria José apanhava os figos, a sua amiga Maria Augusta que ia trabalhar para a fábrica. Esta vendo Maria José a apanhar figos, o que não era o seu habito, pergunta:
__ Maria José! Então? Hoje não vens trabalhar para a fábrica?
__ Não Maria Augusta! Hoje não vou. E não vou nunca mais __ responde Maria José à amiga e acrescenta:
__ Olha Maria Augusta! Tu fazes-me um favor? Trazes-me as minhas tamancas... sim?
__ Está bem. Eu trago-tas... mas olha não sei para quê? Ainda hoje é quinta-feira e a fábrica apitou tão cedo, que deve estar cheia de peixe. E se não vais hoje trabalhar poderás ir amanhã. Mas diz-me cá, porque não vens trabalhar para a fábrica e estás a apanhar figos? __ Perguntou Maria Augusta intrigada.
Maria José antes de responder ficou pensativa. Olhou a amiga nos olhos e por fim diz-lhe:
__ Não Maria Augusta. Não vou trabalhar porque o meu pai mandou-me de castigo a apanhar figos para secar no almanxar... E, eu...
Maria José calou-se. A sua amiga despediu-se, dizendo:
__ Não penses mais nisso! Eu agora estou com pressa, mas amanhã falo com o teu pai para que ele te deixe ir trabalhar. Adeus!
__ Adeus!
Depois da amiga se afastar Maria José vai à quinta para beber água. Quando acaba de beber a água ela continua a sentir sede. Uma sede enorme. Sede que não era de água, mas sim de segurança, de carinho, de compreensão, de amor. Perante esta necessidade, exclama: "oh mãezinha! Ajuda-me! Eu estou só neste Mundo. Não tenho ninguém que me ajude. Só te tenho a ti, mãezinha. Ajuda-me ou chama-me para junto de ti, para assim poderes tratar as negras das minhas costas e das minhas pernas que, tanto me dóem!"
Pensativa, Maria José voltou para trás e caminhou para junto da figueira onde tinha deixado a cesta dos figos quando antes de chegar, junto à cesta, encontrou uma grande corda, a qual tinha sido perdida pelo cocheiro havia algum tempo. Maria José apanhou-a e levou-a consigo para junto da figueira.
Apagar figos não era a especialidade de Maria José, mas apanhou uma cesta cheia de figos que logo despejou na canastra. Depois da cesta estar vazia apanhou cinco grandes figos e com eles faz uma estrela no fundo da mesma. E...
__ Oh, Senhor João! Senhor João __ gritava em altos gritos aflitivos o cocheiro ao chegar à quinta. __ Venham. Venham socorrer a menina Maria José que está pendurada na amendoeira junto ao areeiro. Oh! Ela ainda mexe. Socorro!Socorro! __ O homem continuava a gritar correndo para o corpo já inerte de vida.
João Reis estava na varanda que ficava na parte mais alta da quinta. E estendia ao sol para secar, as alfarrobas que as mulheres tinham apanhado nos últimos dias. Quando este ouve gritos olha em seu redor e, vê a filha debaixo de uma amendoeira, logo em altos berros, grita-lhe:
__ Que fazes aí? Desce daí para baixo desgraçada. Andas ao rebusco de amêndoas? Eu já ai vou...
Ia para descer as escadas quando um homem chega junto dele e, diz-lhe:
__ Senhor João venha ver a sua filha. Ai! Ai meu Deus que grande desgraça que está a acontecer! __ Exclama o homem e correndo para o areeiro junta-se ao aglomerado de pessoas que já lá estavam junto do corpo.
João Reis fica pasmado. Por momentos não diz nada. Depois leva as mãos à cabeça e, num gesto de quem não aguenta aquele desgosto diz:
__ Ó filha. Eu não te bati muito. E só te castiguei hoje. Amanhã ias trabalhar para o teu emprego.
As mulheres que estavam junto do corpo, já cheio de formigas, ao ouvirem o pranto do homem gritam todas ao mesmo tempo:
__ Pai malvado!
__ Assassino!
__ Malvado pai carrasco!
__ Malvado! Tu é que merecias a forca. Anda cá malvado que eu, te tiro a vida. Anda cá, não fujas...
Neste momento chegam as autoridades e antes que as mulheres pudessem mandar as mãos ao homem, estas intervêm.

quinta-feira, 26 de março de 2009

* * *

Na quinta-feira, 19 de Agosto, o dia estava escaldante. Isabella tratava do jardim quando uma mulher chega à quinta com a notícia. A triste notícia de que a Maria José estava morta. Morta e pendurada numa amendoeira junto ao areeiro. Isabella quando ouviu as últimas palavras da mulher correu pela propriedade fora e subindo e descendo muros chegou à quinta dos Barros. Ao chegar junto do areeiro, como louca grita:
__ Oh mana! Mana! Oh mana! Onde estás? Responde-me. Não me ouves? Oh, meu Deus não pode ser verdade __ pensa Isabella e volta a chamar a irmã. __ Mana, responde. Não me ouves? Ma...na. Ma...na...
Isabella caiu desmaiada aos pés da irmã. E antes que alguém tivesse tempo de a segurar ela rebola para dentro do areeiro. O areeiro tinha uma altura bem considerada. As pessoas que estavam junto da amendoeira desceram para a ir buscar e logo foi levada em braços para casa.
José da Silva que tinha acabado de chegar da vila onde ia todos os dias com a filha, a senhora D. Judite, para esta receber tratamento fica surpreendido quando vê chegar em braços a sua neta Isabella. Assustado corre para esta que continua desmaiada. O homem sem saber o que se passa, olha os dois homens que tem na sua frente e, pergunta:
__ Manuel! António! Que se passa? Que aconteceu à minha neta?
Os homens olharam-se entre si como a certificarem-se da grande tragédia que atingia aquela família. Por fim, um deles diz:
__ Senhor José, a menina Maria José pôs termo à vida. E o Senhor dos Barros mandou cá à Quinta uma mulher dar a notícia e, a mesma foi dada à menina Isabella e então ela correu para junto do corpo da irmã. Quando viu o corpo da irmã chegou junto dele e caiu desmaiada robolando para dentro do areeiro. Nós a fomos buscar e trazêmo-la para casa.
José da Silva fica pálido, imóvel. Quando recupera pega na neta ao colo, ao mesmo tempo que, pergunta aos caseiros da Quinta dos Barros:
__ Mas quando aconteceu isso? E porque havia essa mulher de dar uma notícia dessas a uma criança, se havia tanta gente adulta cá na Quinta? Mas que falta de tacto! Mas diz-me Manuel, como foi que a minha neta Maria José pôs termo à vida? E o pai dela, onde está? Ele ainda não sabe?
O homem parecia louco só fazia perguntas, umas atrás das outras e, entre as quais não deixava intervalos para que os homens pudessem responder. Só quando chega a Senhora D. Isabel, ele pára de fazer perguntas. Esta, porém, perplexa pergunta:
__ O que se passa? Aconteceu alguma coisa?
__ Sim, minha Senhora __ respondeu um dos caseiros e acrescentou. __ A menina Maria José está pendurada numa amendoeira junto ao areeiro.
__ Que me diz, Senhor Manuel? A minha neta está pendurada?! __ Pergunta aflita a senhora D. Isabel. __ Mas por favor, explique-se!
O homem voltou a dizer:
__ Sim. Pendurada. Morta.
A Senhora D. Isabel olhando para o marido e para os dois caseiros da Quinta vizinha, volta a perguntar:
__ A minha neta Maria José está morta? Não. Não é verdade. José diz-me que não é verdade. Meu Deus que grande desgraça. E à Isabella que foi que lhe aconteceu para ela estar desmaiada?
O homem que continuava com a neta nos braços correu para casa para a deitar. A mulher de cabeça baixa e de lágrimas nos olhos segue o marido até ao quarto da neta.
Passado algum tempo quando esta volta a si vê a avó no seu quarto e, exclama:
__ Avozinha tive um sonho horrível!
A avó interrompeu-a dizendo:
__ Não minha filha, não foi sonho! Não! Não gritos. Temos de ser fortes por causa da tua mãe. Ela está cá e só vai para casa depois do funeral. E ela minha querida, não pode saber da morte da tua irmã, porque está muito doente. Portanto temos de ser fortes. Prometes ser forte?
__ Sim, avozinha, prometo. Mas eu quero ver a minha irmã.
__ Sim iremos vê-la logo à noite __ diz a Senhora D. Isabel com grande tristeza.
A notícia correu de boca em boca. Todas as pessoas: homens, mulheres e crianças choraram lágrimas de dor pela morte daquela rapariga que sempre conheceram como amiga.

CAPÍTULO X - O FÚNEBRE

Ao cair da noite, lá no fundo da propriedade da Quinta das Rosas numa casa que outrora era habitada pela alegria e felicidade vivia agora a tragédia que jamais circundou aquela família. Já roucos pelo prolongamento ouviam-se ao longe gritos da vizinhança. Os cães ladravam e uivavam como que acabrunhados por uma angústia. Os pássaros que costumavam cantar à noite fizeram greve. A lua estava brilhante como sempre, mas todavia os reflexos do seu brilho eram sem cor, sem luz, sem vida. Como sem vida era também o reflexo do brilho dos olhos da mulher que olhava o céu, num pensamento: "Oh meu Deus, como foste capaz de consentir que Maria José sofresse tanto? Meu Deus, porque não a ajudas-te? Porquê?" Estava no seu pensamento quando o marido a chama baixinho junto a ela:
__ Isabel queres ir ver a tua neta? Eu gostava de ir, mas não posso encarar aquele homem, aquele malvado. Tu vai. Eu fico com a Judite para no caso de ela acordar e precisar de mim.
__ Sim, José. Eu vou ver a nossa neta que se matou pelas torturas que o pai lhe deu. Todos nós fomos bons para ela, mas nada fizemos para que ela se sentisse feliz. Esta é a minha grande dor. Ah! Se eu soubesse que ela sofria tanto ao ponte de se matar tinha sido diferente. E tudo isto foi por causa da doença da Judite. Todos nós, sabes?! Só pensamos na nossa filha e no bebé.
__ Então mulher não chores. E não te estejas a culpar pelo que aconteceu. Olha minha querida esposa se o nosso genro tratasse da filha dele como nós tratamos da nossa filha e, que é ele que tem obrigações porque está casado com ela, nada disto tinha acontecido, mas não, ele só quero é que trabalhem para ele. E a recompensa é esta. Mas deixa... desta vez ele vai pagar na cadeia. Mas olha é já tarde e tens de ver também as outras crianças. Coragem minha querida esposa e, não digas nada a esse homem. Eu trato dele depois. E não deves ir só, leva contigo a tua irmã.
A mulher sentiu a coragem faltar-lhe. E tinha também receio que Isabella voltasse a desmaiar junto do corpo da irmã. Mas tinha de a levar consigo, pois tinha prometido à neta que a levaria a ver a irmã. Nada quis dizer ao marido para que ele não discordasse do que ela havia prometido à neta, mas sentia agora receio pelo que viesse a acontecer . E ela, só ela seria responsável.

quarta-feira, 25 de março de 2009

* * *

Prontas para sair da quinta quando o relógio bate as dez horas da noite. No caminho que separa a quinta do casebre havia uma pequena distância que as mulheres transpuseram em poucos minutos. Quando chegaram ao casebre, este estava circundado por pessoas de todas as aldeias e vilas mais próximas que ali se deslocaram para velar o corpo de Maria José.
Isabella ao ver toda aquela gente fica pasmada, pois nunca ela tinha visto um velório e nem mesmo feito ideia. Lá dentro, numa sala havia uma mesa ao centro, onde estava o corpo que ela procurava com os olhos por toda a parte. Ao chegar junto do corpo olha a rosto já desfigurado da irmã e diz-lhe baixinho:
__ Mana pareces dormir! E estás linda vestida de noiva! Lá no céu para onde vais, não há maldade, nem ódio, nem tão pouco gente má. Lá no céu, mana, só entram os bons. Mana! Mana nunca mais te vejo! Mana tu mataste a tua vida por causa do pai? Pai malvado, mana! Grande tirano! Assassino! Assassino, tirano! Mana quando eu crescer hei-de vingar-te.
João Reis que estava sentado no leito do quarto ao lado ouviu o pranto de Isabella e mandou imediatamente a Teresa ir chamá-la.
__ Isabella vai já dentro ai pai que ele quer falar-te.
__ Sim irei! Tu vai dizer ao pai que irei __ respondeu Isabella com alta voz como se não tivesse medo do pai. E logo de seguida afasta-se do corpo da irmã e caminha em direcção ao quarto onde o pai se encontra. Este diz-lhe:
__ Isabella, que estás para ai a dizer? Olha que o vergalho com que bati na tua irmã ainda não se estragou!
__ O que quer dizer pai? Olhe que eu não sou como a mana. A mim o pai não me mata porque além de eu ter os meus avós, não sou tão boa como ela. A mim podia o pai fazer o corpo negro, como fez à mana, mas havia de pagar por isso __ ao dizer as últimas palavras, Isabella sai do quarto de cabeça erguida.
Quando as pessoas a vêem sair do quarto olham-na admiradas e comovidas pelas suas palavras.
Isabella, como que impelida por uma mola, caminha em direcção ao caixão que se encontra no centro da sala. Ao chegar junto deste diz:
__ Mana, adeus! Eu vou-me embora porque já não precisas de mim. Amanhã estarei à tua espera quando passares à quinta e, irei contigo até à tua última morada.. Mas aqui a esta casa nunca mais voltarei, mana.
Acabadas as palavras, Isabella sai da casa dos pais apenas com uma ideia. Não mais lá voltar.

* * *

Na fábrica conserveira a "Galinha", as operárias trabalham alegremente quando o autofalante do escritório principal chama a atenção das mesmas, para uma notícia:
__ Senhores e senhoras atenção! Como sabem a fábrica tem peixe para trabalharmos todo o dia e ainda para as próximas horas de amanhã. Eu, em nome da gerência, peço a compreensão de todos para o que lhes vou dizer e ainda a calma para a má notícia que lhes vou dar __ O homem parou de falar. Parecia não querer chegar ao fim. Por fim, diz. __ Como ia a dizer tenho uma má notícia para vos dar e, para a qual peço a calma de todos vós. A notícia é a seguinte: __ Amanhã é o funeral de uma operária deste fábrica e dadas as circunstâncias da sua morte e, ainda tratando-se de Maria José, a gerência dá o dia de amanhã para todos poderem acompanhá-la até à sua ultima morada, mas como temos muito peixe e não o podemos mandar fora temos de trabalhar hoje até à uma ou duas horas da madrugada! Estão de acordo?
As mulheres gritavam, falavam alto, ninguém se entendia naquela empresa. O autofalante voltou de novo a soar:
__ Então! Então! Eu tinha-lhe pedido calma! Concordam ou não com a decisão da gerência?
A mestra que tentava a todo o custo acalmar as mulheres, fala em nome destas:
__ Sim, Senhor Aguiar! Vamos trabalhar até acabar o peixe.
Assim aconteceu. Eram já duas horas da madrugada quando as mulheres voltaram para casa.
Às onze horas desse mesmo dia começaram a chegar ao casebre da quinta pessoas de todos os lados para acompanhar ao cemitério, o corpo daquela que lhes era querida.
Além de familiares, colegas de trabalho e amigas chegaram pessoas anónimas, que, corriam apenas ao sabor do trágico acontecimento. E, ainda, à beira da estrada ( a todo o percurso que se calculava em cerca de dez quilómetros) havia pessoas que esperavam ver e acompanhar Maria José à última morada.
Chegados à vila, depois de grande percurso a pé, o corpo de Maria José foi mandado à terra. Sem padre, sem missa de corpo presente. Havia apenas muitas flores, muita dor e muitas lágrimas derramadas dos olhos de amigas/os que com ela conviveram e de perto testemunharam a sua dor e o seu desespero que a levou à morte. As suas amigas mais chegadas que eram mais ou menos da sua idade fizeram questão de se vestirem de branco tal qual como a cor que a vestiram. Mas as suas amigas estavam lindas vestidas de branco e sobretudo com vida e seguravam as borlas do caixão e rezavam a Deus pelo seu perdão. Perdão?! Perdão para um crime que alguém a ajudou a cometer e si mesma. Isabella ali presente estava tão absorvida nos seus sentimentos, quando a sua avó lhe diz:
__ Isabella, anda vamos embora? Já cá não está ninguém.
Isabella olha a avó e ao mesmo tempo volta a olhar o monte de terra fresca. E, duas lágrimas caem dos seus grandes olhos e rolam lentamente pelas faces pálidas.
__ Avozinha deixo-me estar aqui, junto de minha irmã, um pouco mais...

domingo, 22 de março de 2009


CAPÍTULO XI - A NOTÍCIA

No alto mar a noite estava escaldante e o mar calmo. A traineira "Bom Caminho" flutuava ao sabor das ondas. Ondas que brilhavam ao luar de Agosto. Os seus tripulantes mandavam ao mar as redes que, cujos peixes nelas se baralhavam e eram puxados para bordo. Assim, de lance em lance, o porão ficara cheio de peixe e a traineira "Bom Caminho" voltara ou cais de Sines para a esvaziar.
Joaquim Elias ao contrário dos seus companheiros de trabalho, depois da caldeirada fica a bordo. Pensativo vai para o seu beliche. Não ficara só, pois seu pensamento em Maria José encheu completamente o seu espírito. Tanto assim que não sente chegar junto dele o mestre, muito amigo, António Capinha que lhe entrega uma carta dizendo:
__ Joaquim, olha, ela escreveu. Vá! Pega lê a carta... vais ver como eu tinha razão. Ela não veio porque não pôde vir... talvez por causa da madrasta estar doente.
Joaquim mudou logo a sua expressão triste e pegou na carta que o mestre lhe estendia. Num repente abre-a e começa a lê-la. A sua expressão voltou a mudar. O mestre ao olhar o seu rosto pergunta:
__ Então, a carta trás más notícias?
O rapaz não respondeu. Levantou-se do beliche onde estava sentado e caiu nos braços do homem que tem sido um pai para ele. Ambos se abraçam em silêncio. Só que no silêncio se ouvia um choro abafado do homem que mais parecia uma criança. Sim. Joaquim Elias chorava. O mestre ainda não sabia porquê. E parecia que nem coragem tinha para lhe perguntar. Foi Joaquim Elias quem a custo, disso:
__ Mestre! Ela morreu... compreende? A carta... esta carta não é dela é de minha mãe e, diz que ela se matou. Que ela se matou, mestre! Mestre leia-a o Senhor e diga-me que é mentira. Digna-me que ela está viva!
__ Vá lá __ diz o homem. Tenta acalmar-te e mostra-me essa carta.
Depois de ler a carta o homem fica comovido, mas tenta disfarçar dizendo:
__ Olha Joaquim, já é tarde vai descansar que amanhã falaremos e coragem meu rapaz... um homem do mar tem de ser forte.
Ao dizer estas palavras o mestre volta costas para não deixar transparecer duas lágrimas rebeldes que teimavam sair dos seus olhos.
Dias depois na pequena "Quinta Elias" chega o carteiro com uma carta endereçada a José Elias.
"Senhor Elias pensei não lhe dar a notícia para não os afligir, mas todavia o caso é grave e eu viria a ser o responsável. Seu filho depois da tragédia ( que ocorreu aí e de que ele teve conhecimento por uma carta que recebeu da sua esposa) foi internado no hospital com uma lesão cerebral. E o pior é que ele não se quer curar. Pelo contrário tem tentado por várias vezes suicidar-se.
Adeus!

António Capinha

O homem depois de ler a carta grita à mulher:
__ Mariana! Mariana!
__ Sim __ respondeu esta com grande espanto e pergunta. __ Que foi que aconteceu homem, para estares a gritar dessa maneira?
__ O nosso filho está no hospital de Sines e nós temos de lá ir imediatamente.
A mulher fica assustada com as palavras do marido, mas não faz perguntas. Ela conhece bem o filho e também sabe o quanto ele amava aquela rapariga. O coração de mãe adivinha o que se está a passar. Leve como uma pena a Senhora D. Mariana corre ao quarto para fazer a mala. E os dois partem para Sines.

sábado, 21 de março de 2009


CAPÍTULO XII - A INJUSTIÇA

Na Quinta das Rosas todos os dias à mesma hora José da Silva atrelava no carrocim um dos cavalos para transportar à vila a sua filha Judite que, continuava enferma e, a precisar de receber injecções todos os dias.
José da Silva enquanto deixa a filha na sala de espera, para a injecção vai falar ao Dr. Juiz Antunes sobre a morte da neta.
__ Senhor Doutor Juiz, como sabe todos os dias faço esta viagem com minha filha. Os meus deveres de pai têm aumentado. Só tenho pena que os outros pais, assim, não o sejam.
__ É verdade José, o Senhor é um pai exemplar. Mas diga-me o que o traz ao meu escritório?
__ É verdade, Senhor Dr. Juiz, com toda esta conversa desviei-me do assunto que me traz cá __ o homem respira fundo, pois não é muito agradável falar do assunto. Por fim diz. __ Senhor Doutor Juiz, como sabe a minha neta foi espancada pelo pai. E foram essas pancadas e insultos que a levaram a suicidar-se. Senhor Doutor eu também sou pai e, como tal sou contra a pais oprimistas. A meu ver as crianças não se oprimem. Educam-se. Às crianças não se diz: "Não faças isto! Não faças aquilo! Às crianças devemos mostrar-lhes sim, mas só, o que elas devem fazer. E com o crescimento elas compreenderão o que não devem fazer. E nós os pais e educadores estamos cá para lhes ensinar quando necessário. Com carinho, com compreensão e não à pancada". As crianças devem ser livres para crescerem à vontade __ acrescenta o homem um tanto altivo, mas todavia não perde a calma e volta ao assunto. __ Mas Senhor Doutor Juiz voltei de novo a desviar o assunto. Eu queria que o meu genro pagasse na cadeia, aquilo que fez à filha.
__ Está bem José, mas o amigo tem, por acaso, testemunhas como foi ele que a matou?
__ Não, Senhor Doutor Juiz! Eu não tenho testemunhas de ele a ter morto! Pois que a corda ao pescoço não foi ele, quem o pôs. Mas Senhor Doutor Juiz, vossa Ex. sabe que ele deixou o corpo da rapariga negro à pancada. Se a filha não se tivesse enforcado teria morrido dos maus tratos que o pai lhe deu.
__ Está bem José. Eu vou ver o que posso fazer para o castigar, mas não lhe garanto nada.
__ Não é junto Senhor Doutor Juiz! Eu, que nunca fiz mal ninguém, prenderam-me e torturaram-me durante cinco anos, sem eu, ainda hoje saber porquê. E esse homem... Grande injustiça, Senhor Doutor Juiz __ as últimas palavras saíram-lhe tremidas da garganta.
O homem depois de se despedir do Juiz da comarca saiu com a incerta promessa do mesmo. E foi buscar a filha que já o esperava.
Em braços, como uma criança de tenra idade, a Senhora D. Judite é transportada pelo pai, que com todo o cuidado e todo o carinho a deita na carrocim sob uma almofada de lã de ovelha, feita propositadamente para aquele fim. Caminharam de volta à Quinta. Entre pai e filha nem uma só palavra se ouviu. Só quando chegados à Quinta a Senhora D. Judite pergunta em voz muito sumida:
__ Meu pai, eu fico até quando cá na Quinta?
__ Até ficares boa minha filha! Não te deves preocupar com isso __ acrescenta o pai numa expressão segura que dá à Senhora D. Judite a segurança de que ela precisa. E esta agradecida deixa escapar:
__ Obrigada meu pai! Deus todo poderoso há-de-nos ajudar.
Dias depois chega aos ouvidos de José da Silva a morte do Juiz Antunes. O homem fica abalado, não só pela sua morte, mas também pela falta que este irá fazer como membro do poder judicial daquele Concelho. O homem recorda as suas últimas palavras: "José, o Senhor, tem por acaso testemunhas como foi ele que matou a filha?" "Está bem José, eu vou ver o que posso fazer para o castigar, mas não lhe garanto nada." O homem depois deste pensamento, grita:
Não! Não pode ser verdade
Não pode ver verdade!
Ele tem de ser castigado
Tem de ser castigado
Não é à pancada que se educam os filhos,
Não é à pancada!
Não! Não é com a guerra
Que se constrói a paz!
Não é com a guerra,
É com amor,
É com igualdade,
É com amor, em liberdade!
Quando a mulher o chama ele fica assustado, mas tenta disfarçar. Ela diz:
__ José com quem estavas a falar?
__ Eu? Eu não estava a falar com ninguém ou melhor estava a falar para os cavalos.
__ Para os cavalos?__ Pergunta a mulher muito admirada. __ Ah sim, ultimamente andas a falar muito com os cavalos. Não estarás tu doente?
O homem muda de conversa dizendo:
__ Olha, Isabel, são horas de arranjares a Judite para irmos à injecção. E talvez seja hoje que a radiografia esteja pronta. Vai mulher. Despacha-te.
__ A Senhora D. Isabel deixou o marido e foi arranjar a filha que quase não se podia mexer na cama.
Ao regressar da vila com a filha o José da Silva depois do jantar e, de tudo estar em ordem pede à mulher que fique junto dele para poderem conversar. Ela aceitou. Ele diz:
__ Isabel. A radiografia da Judite, diz o médico, tem uma mancha num dos pulmões e, ele diz que é muito grave e perigoso __ o homem pára de falar. A mulher exclama:
__ É grave e perigoso? Que quer isso dizer? E que vamos nós fazer? A nossa filha vai morrer? A nossa filha! Não. Não pode ser. Tens de fazer qualquer coisa. A nossa filha não pode ter essa doença tão má que o médico diz.
__ Sim, Isabel, a nossa filha pode até não ter essa doença. Os médicos enganam-se muitas vezes, mas temos de prevenir-nos. O médico disse-me que as crianças não deviam aproximar-se da mãe.
A Senhora D. Isabel leva as mãos à cabeça e rebenta num vale-de-lágrimas. O marido logo a abraça para a acalmar e diz:
__ Vá lá, não chores. Tudo se vai arranjar.
Na manhã do dia seguinte a Senhora D. Judite pergunta à mãe:
__ Minha mãe onde está Isabella? Não a vejo desde ontem __ a mãe teve de reunir todas as suas forças para dizer:
__ A Isabella está no jardim a tratar das flores! Sabes, este ano temos muitas flores, como : malmequeres, rosas, dálias, hortências, cravos e tantas outras. E os peixes no tanque este ano também se reproduziram muito mais que nos outros anos.
__ Ah, como deve estar bonito o jardim! Como eu gostava de o ir ver e sentar-me debaixo do cedro a respirar o ar puro e sentir o cheiro das flores __ dizendo estas palavras a mulher cai na almofada. Está tão fraca que o esforço que fez para falar, a deixou inerte.
Quando acordou voltou, como era habito, a perguntar à mãe pelos filhos:
__ Minha mãe, como estão a Maria José e o bebé? Como estão todos os meus filhos? Ai os meus filhos, não os vejo há muito tempo! Porquê, minha mãe?
__ Não te canses Judite, os teus filhos estão bem __ diz-lhe carinhosamente a mãe e acrescenta. __ Tu vais para Lisboa, para te curares da tua doença. Há já onze meses que estás doente, não podes estar nem mais um dia aqui. Vais para o hospital e num mês curas-te. Está bem? E deixa os teus filhos. Eu e a Maria José tratamos deles.
A mulher fecha os olhos de alívio. E sente que pode morrer descansada. Os filhos estão bem entregues. Abre os olhos e volta a perguntar sumidamente:
__ Eu vou para o hospital? Ah!

CAPÍTULO XIII - O INTRUSO

Numa manhã quente de Abril o sol brilha resplandecente sobre o orvalho da noite. Isabella acorda do seu sono sobressaltada por um pesadelo que a atormenta há várias noites. Com os olhos meio abertos ela sai da cama em camisa de dormir e vai à janela, num impulso abre esta de par em par. Ao olhar para a rua Isabella dá de frente com uma andorinha que construiu o ninho no beiral do celeiro. Esta quando viu Isabella canta parecendo dizer-lhe: " Bom dia! Parece que ainda estás a dormir?" Isabella sorrindo fala-lhe:
__ Olá amiginha! Quando chegaste? Parece que não esqueceste que eu te esperava. Pois sim! Esperei todo o inverno para que chegasse este momento.
A andorinha parou de cantar. E silenciosa parece abanar a cabeça num gesto de agradecimento. Isabella olhou em volta para se certificar se sua amiga estava só. Logo concluiu que sim e, pensou: "Que alegria, as minhas amiginhas vão voltar. Uma hoje, outra amanhã e assim vão chegando todas. Que bom!"
Isabella gosta muito dos animais e, quando está triste é a eles que conta as suas mágoas. Mas também quando está feliz são eles os primeiros a quem ela conta as suas alegrias. Isabella costuma dizer que os animais compreendem melhor as crianças que os adultos.
Depois de falar com sua amiginha, Isabella fecha a janela do quarto e vai arranjar-se para ir para a costura. Pois a sua mestra, assim como as suas companheiras esperam-na todos os dias às nove horas da manhã.
Na madrugada do dia seguinte, a Quinta estava em silêncio, quando ao longe se ouve o cão ladrar. José da Silva sentou-se na cama à escuta do que pudesse ouvir. O cão não voltou a ladrar e o homem voltou a dormir. Só voltou a acordar uma hora depois quando a mulher, aflita, o chama:
__ José, José! Olha quem está aqui! O nosso bebé.
__ O que me dizes tu? O nosso bebé! E como veio ele cá ter?
__ Não sei __ diz a mulher aflita __ mas alguém o veio cá pôr.
__ Cá pôr! Onde mulher? __ Interrogava o homem ainda meio acordado.
__ Sim __ diz ela __ o bebé estava à porta enrolado num cobertor e, dentro de uma alcofa.
__ Oh mulher o que me dizes! Pois esse homem sem escrúpulos, sem coração, esse intruso que entrou na nossa família, para mal dos meus pecados, veio cá à porta, pôr o filho? Essa é boa... mas deixa! Dá-me cá o bebé.
O homem pegou a criança ao colo e olhando-a exclamou:
__ Anda cá meu rapaz, meu inocente! Começas cedo a sofrer. O teu pai é um selvagem. Mas olha, agora ficas cá com a tua irmã e quando a tua mãe voltar do hospital fica cá também. Este teu velho avô não tem muito dinheiro, mas tem coração __ acrescenta José da Silva.
A Senhora D. Isabel olha o marido com devoção. Ele olha para ela e diz-lhe:
__ Isabelinha eu sei que tu nas minhas costas e na ausência do teu genro ias lá a casa tratar do bebé e das outras crianças. Não! Não me vais dizer que não é verdade!
__ Está bem, não digo nada __ respondeu a Senhora D. Isabel como apanhada em falta. Ele prosseguiu:
__ Pois agora, já não tens que lá ir. O bebé vai cá ficar e mandaremos dizer à Judite na próxima carta que temos o filho cá em casa. E antes que ela tenho alta do hospital tens também de lhe dizer que a Maria José já não está entre nós, para ela se mentalizar com a sua morte. Claro que não lhe vais dizer na carta que ela se matou. Dizes apenas que ela partiu.
No hospital a senhora D. Judite lê a carta da mãe e fica a pensar: "A Maria José partiu? Mas que estranha notícia e tão mal explicada. Que teria acontecido?" __ Perguntava a mulher de si para si. Pensou escrever, mas como estava à espera do médico para lhe dar alta, desistiu.
Nas consultas da tarde, o médico chamou as doentes da sala quatro e, em especial da cama vinte e dois.
__ Então Judite, como te sentes?
__ Eu sinto-me bem, Senhor Doutor.
__ Então queres ir para casa? __ Pergunta o médico.
__ Quero sim, Senhor Doutor __ acrescenta a mulher ansiosa por voltar a ver os seus entes queridos.
__ Então tens alta amanhã. Podes tratar já das tuas coisas, assim como da tua passagem para voltares a casa. E diz-me há quanto tempo estás cá internada?
__ Há sete meses, Senhor Doutor.
__ Ah, sim! Compreendo que tenhas saudades de casa __ diz o médico enquanto se afasta da sala de consultas.
A Senhora D. Judite comunica à mãe por telegrama que chegaria a casa no fim da semana. Esta tem tudo em ordem para receber a filha. Isabella está radiante porque a mãe chega e, deseja que o irmão aprenda a andar. Por essa razão deixa de ir à costura naquela semana e tenta ensinar ao irmão a andar. O bebé já dá uns passos, mas os mesmos não agradam à irmã. Ela quer mais. Isabella quer o bebé a andar sozinho e com desenvoltura.

sexta-feira, 20 de março de 2009

* * *

Pelas cinco horas na tarde de sexta-feira chega à Quinta das Rosas um táxi conduzido pelo seu proprietário vindo da estação, dos caminhos de ferro, mais próxima que ficava a vinte quilómetros da quinta onde acabava de chegar.
Isabella estava no alpendre da casa com o irmão mais novo e ensinava este a andar quando ouviu o rodado dum automóvel ficou sobressaltada. Muito pouco à-vontade sai do alpendre para ver o que se passa. Logo reconhece a mãe e corre para ela com o bebé. Este chora dizendo:
__ Mamã, o menino tem medo do automóvel.
__ Não tenhas medo __ disse-lhe Isabella pegando-o ao colo. __ É a nossa mãe.
__ Não! Não quero __ gritava a criança aflita.
A criança não conhecia aquela mulher que acabava de chegar de automóvel. A Senhora D. Judite olha o filho e vai para pegá-lo ao colo, mas ele agarra-se ao pescoço da irmã e não pára de chorar. A mulher desistiu de o pegar ao colo e abraça dos dois.
No dia seguinte, a Senhora D. Judite, já repousada da viagem diz para a mãe:
__ Minha mãe eu quero que me fale da Maria José, da Teresa e do João. Como estão os meus filhos? A mulher fez uma pausa esperando que a mãe lhe disse-se algo. Esta olhou a filha como a certificar-se do seu estado de saúde. Depois diz:
__ Judite, os teus filhos estão bem, claro!
__ Sim. É que mandou-me dizer na sua carta que Maria José tinha partido. Eu fiquei muito preocupada com as crianças. Mas que aconteceu com a Maria José?
A mulher fica sem saber como dizer à filha. Era tão difícil voltar a falar da tragédia. Mas enche-se de coragem e diz:
__ Olha filha, antes de te contar tudo peço que nos desculpes a todos. Está bem? __ Pediu a Senhora D. Isabel, e continuou. __ Mas não me interrompas por favor.
__ Sim minha mãe __ prometeu a filha.
__ Há oito meses atrás quando o teu marido bateu na filha. Estás recordada? Ela foi no dia seguinte apanhar figos de castigo, e...
Quando a mãe acabou de falar olhou a filha. Esta estava pasmada na sua frente. Com os olhos postos numa moldura, as lágrimas rolavam-lhe pela face. A custo, diz:
__ OITO meses! Há oito meses que Maria José está morta? Oh, minha mãe, como é difícil e triste . E eu, sem saber. E ele foi castigado?
__ Não filha! Não foi __ responde-lhe a mãe.
__ Agora compreendo! __ Exclama a Senhora D. Judite. __ Minha mãe, ele trabalha? Eu quero ir lá a casa ver os meus filhos.
A mãe olha para ela e diz:
__ Sim. Ele anda a trabalhar. Eu, sem teu pai saber, tenho lá ido tratar das crianças. Mas tu queres mesmo lá ir ou queres ir para tua casa de todo? Olha filha, ele é o teu marido, nós já estamos velhos. E tu tens lá os teus filhos. Ouve Judite, eu quero que saibas que não me oponho a que vás para a tua casa.
Depois do almoço a Senhora D. Judite foi ver os filhos. Encontrou tudo tão sujo que passou todo o dia a limpar. E quando ao pôr-do-sol pensou voltar os filhos agarraram-se à mãe a chorar que ela não teve coragem de os deixar.
Já depois do sol posto João Reis chega a casa. Mal transpõe a porta dá com os olhos na mulher que está na sua frente. Surpreendido exclama:
__ Ah! És tu? Mas como estás diferente? E muito mais forte.
A Senhora D. Judite sentiu um calafrio pela coluna acima a sumidamente diz:
__ Sim sou eu. Cheguei ontem do hospital e vim ver os meus filhos. Tens alguma coisa para me dizer?
__ Não __ respondeu João Reis. __ Que queres que te diga?
__ Ah, sim! Tudo o que aconteceu foi normal para ti. Mas olha para mim não é __ diz a Senhora D. Judite levantando a voz.
__ Mas, ouve! Tu vieste cá para ver os teus filhos ou para me dares ordens? Se foi para isso estás enganada. Eu não mudei nada.
A mulher compreendeu que sim. O marido não tinha mudado nada. Por isso não tinha mais nada a dizer. Calada vai para a cozinha fazer o jantar. E prometeu a sim mesmo não falar mais no assunto.
Depois do jantar deitou os filhos e ela ficou junto deles. Em toda a noite, não pregou os olhos a pensar na melhor maneira de criar os filhos. Logo tem uma ideia. "Sim é isso que vou fazer. Os meus pais já sofreram bastante. Eu não posso permitir que eles sofram mais. Assim que o sol nascer vou buscar o bebé para casa e fico com eles."
Na manhã do dia seguinte, a Senhora D. Judite vai à quinta e de regresso traz consigo o be. João Reis quando a vê chegar com o filho ao colo diz-lhe:
__ Ah, sim! Tu foste buscar o bebé. E a Isabella? Não a trouxeste? Pois eu quero que a vais buscar.
A mulher olha-o. Sem responder vai para o quarto. Deita o filho e senta-se junto dele. Este, não está habituado à mãe chora num choro convulsivo que a mulher não sabe que fazer para o calar. Decidiu chamar Teresa e recomenda-lhe:
__ Teresa vê se calas o bebé. Ele comigo não pára de chorar.
João Reis depois da mulher sair do quarto aproveita para lhe dizer, segunda vez, que quer que Isabella vá para casa.
__ Mas como? Tu sabes bem que a minha mãe está muito habituada à neta. E Isabella também está muito bem na quinta. Ela foi para casa dos avós tinha seis anos. Hoje já tem quase doze anos. Não pensas nisso? Não pensas no desgosto que lhe irias dar? E à minha mãe que a tem criado como filha? Tu não pensas em nada disto, pois não? Foi a minha mãe que a mandou para a escola. É também a minha mãe que a manda para a costura. Se Isabella estivesse cá tu mandava-la para a costura? Não! Isabella ia apanhar erva para as vacas como ia a Maria José e como vão agora a Teresa e o João. Tu não pensas na tua filha, pois não? Ou melhor nos teus filhos. Para ti só contam os lucros. Nem pensas em mim... se não fosse o meu pai, a estas horas estaria eu debaixo da terra. Pois eu penso! Penso nos meus filhos e gostava que eles estudassem que criassem conhecimentos para se poderem defender dos pontos maus da vida. Mas tu não. Exploras as crianças quase desde que nasceram! És um explorador dos teus filhos. E depois de ti serão outros. Serão os Patrões __ exclama revoltada a Senhora D. Judite e acrescenta. __ Pois eu não vou buscá-la nem lhe digo nada.
__ Está bem __ diz o homem zangado. __ Eu mandarei à quinta a Teresa dizer-lhe. E se ela não vier, eu mesmo irei buscá-la. Teresa! Teresa! Onde estás? __ Chama o homem em altos gritos.
__ Estou aqui, meu pai... aqui no quarto a adormecer o menino.
__ Anda cá, eu quero que vás à quinta __ diz o homem de mau humor.
Teresa sai do quarto e vai ao encontro do pai que está na divisão ao lado. Em pé no meio da casa, de modos altivos que são bem próprios dele, o homem espera a filha. Esta pergunta-lhe:
__ O que é pai?
__ Vais à quinta dizer à tua irmã que venha cá que eu quero falar com ela. Se ela não estiver não esperes, mas diz ao teu avó que nós vamos embora daqui e que levamos a Isabella connosco. E diz ainda a esse comunista, do teu avó, que não penso fazer nada contra mim, se não quer ir para a gaiola __ as últimas palavras saíram-lhe da garganta risórias. Não te esqueças diz-lhe isso mesmo __ recomenda ele à filha. Esta, baixa os olhos e diz sumida mente:
__ Digo. E depois?
__ Digo. E depois? Digo. E depois? Vai! Faz o que te digo.
A criança cabisbaixa, descalça, com os pezitos calosos e sujos sai de casa e caminha em direcção à Quinta das Rosas.

CAPÍTULO XIV - A PARTIDA

Depois de todo o esforço, José da Silva vê com tristeza a sua filha voltar para o marido. Mas estava seguro de que a amparara quando ela mais precisou dele. Ver partir a filha estava resignado, mas a neta! Não. Não consentiria que o pai a fosse buscar. Essa tinha ele criado desde os seus seis anos... e o pai não a levaria dali, sem que primeiro tivesse que passar por cima do seu cadáver. O homem estava tão absorvido no seu pensamento que não deu por chegar, junto dele, a sua mulher, a Senhora D. Isabel que lhe pergunta:
__ José que estavas tu a pensar? Ultimamente andas pelos cantos da casa a falar sozinho, o que se passa contigo?
__ Ora! Nada, mulher. Ando apenas preocupado por causa de Isabella. O pai dela quer que ela vá para casa dele e eu, não quero que ela vá. E tenho receio que ele faça alguma maldade contra a Judite ou contra a Isabella. Aquele homem é capaz de tudo!
__ Não é melhor tu falares com ela, perguntares-lhe a sua opinião?
__ Talvez. Aonde está ela?
__ Foi para a costura, mas não deve demorar. Ela vem almoçar a casa...
__ Então quando ela chegar vou falar com ela.
Quando Isabella chegou a casa para almoçar, o almoço já estava na mesa. E quando os três estou sentados à mesa, o avô pergunta à neta:
__ Isabella o teu pai quer que tu vás para casa dele. Qual é a tua opinião?
__ A minha opinião, avozinho? A minha opinião é ficar para sempre na vossa companhia.
__ Mas minha querida, o teu pai vai embora daqui e quer que vás com ele, com a tua mãe e com os teus irmãos __ acrescenta o homem muito sério.
__ Está bem avozinho, o meu pai pode querer que eu vá com eles, mas eu não quero ir. E não vou, avozinho. Não vou...
Ao dizer as últimas palavras, Isabella corre para o seu quarto. De bruços encima da cama chora convulsivamente. A avó momentos depois vai ao quarto e ao vê-la chorar abraçada ao travesseiro aproxima-se do leito. E sentando-se junto da neta diz-lhe carinhosamente ao ouvido:
__ Não chores! Tu não irás...
__ Não vou avozinha? Então? Que bom! Ah! Mas se o meu pai me vier buscar, o que lhe vai a avozinha dizer? __ Pergunta Isabella impaciente.
__ Que vou dizer? Vou dizer-lhe que tu não vais, porque eu não quero __ diz-lhe a avó e acrescenta sorrindo. __ Vá, não chores. Tudo se vai arranjar.
Isabella abraça a avó muito comovida e ao mesmo tempo agradecida. Ela nem queria pensar no desgosto que iria sofrer ao deixar seus avós e ainda o desgosto que lhes iria causar a sua partida.
Isabella depois de se acalmar voltou para a costura. A pequena distância que separava a sua modista da "Quinta das Rosas" era mais ou menos de quinhentos metros o que para Isabella não era nada, até porque ela estava habituada a andar aquele caminho quatro vezes ao dia. Só que naquele dia o caminho parecia nunca mais ter fim. A cada passo que dava olhava para trás. Parecia-lhe ouvir passos. Parava. Em seguida corria. E foi assim que chegou a casa da modista. Esta que não era habitual ver chegar Isabella naquele estado de cansaço, pergunta:
__ Rapariga que foi isso? Parece que viste um papão!
__ Não ! Não vi o papão. Só que corri todo o caminho.
__ Correste todo o caminho? Mas porquê? Fala rapariga, porquê?
Isabella em poucas palavras explica à mestra e às companheiras a razão de chegar cansada daquela maneira.
__ Sim, corri todo o caminho porque me pareceu ouvir os passos do meu pai atrás de mim. Eu não quero ir para casa dele __ diz a rapariga levantando a voz. __ Não quero __ acrescenta aterrorizada.
__ Mas se não queres, não vais __ diz-lhe a mestra.
__ Não é assim tão simples __ diz Isabella. __ Mas vamos trabalhar...
Isabella sentou-se na cadeira junto à máquina de costura onde era seu lugar habitual. Trabalhava nos acabamento do vestido de uma cliente especial como a mestra chamava e costumava dizer: " Os acabamentos meninas têm de ser bem feitos. São os acabamentos que revelam às nossas clientes, aquilo que sabemos do nosso trabalho". Isabella sentada recordava as palavras da mestra. E recordava também as do seu avó. "Mas minha querida, o teu pai vai embora aqui e quer que tu vais com ele...
Isabella era uma criança, ainda não tinha doze anos feitos. Era forte. Talvez forte demais para a sua idade, mas agora estava confusa olhava o trabalho que acabou de fazer e não podia mais. O melhor era ir para casa __ pensou __ ali sentada não suportava tinha de fazer qualquer coisa, nem que fosse dizer ao pai que só iria para casa, se ele fizesse o mesmo a ela que fez à irmã.
Nesse momento ouve-se um estrondo. Inerte o corpo de Isabella cai para a frente. As colegas de trabalho olham-na, perplexas não sabem que fazer. A mestra, que estava na outra divisão da casa ao ouvir os murmúrios prolongados das aprendizes, corre. Ao ver o corpo desmaiado de Isabella pede socorro ao irmão. Este, atrela um macho à carroça e transporta Isabella a casa.

quinta-feira, 19 de março de 2009

* * *

Enquanto o médico está no quarto de Isabella, José da Silva anda de um lado para o outro no meio da casa à espera de saber o estado de saúde da neta. Quando a porta do quarto se abre o homem corre para o médico e pergunta angustiadamente:
__ Senhor doutor é grave o que tem a minha neta?
__ Não. Não é grave, mas a tua neta está espiritualmente muito doente e é preciso muito cuidado com ela. A febre é altíssima, a tensão arterial muito baixa para a sua idade e o coração está muito fraco. É preciso muito cuidado, muito cuidado __ volta o médico a recomendar e acrescenta. __ Aqui tens esta receita segues as descrições que aqui te deixo e se ela piorar vai ao meu consultório quanto antes. Hem! E além dos medicamentos é preciso muito repouso.
__ Sim, Senhor Doutor! Farei como me recomenda, mas o Senhor Doutor ainda não me disso o mal da minha neta? De que sofre ela, Senhor Doutor? __ Pergunta o homem impaciente.
__ A tua neta não tem nada fisicamente. Só sofreu uma depressão nervosa e não quer viver. Falta-lhe o gosto pela vida compreendes?
__ Sim, Senhor Doutor, compreendo. Agora compreendo. Foi por causa do pai. Aquele homem nunca mais sai da minha propriedade. Nunca mais nos deixa em paz.
__ Sim devia ter sido por isso. A tua mulher, a senhora D. Isabel, falou-me do assunto. Só tens uma coisa a fazer, não a deixares ir... ou queres que ela vá?
__ Não, Senhor Doutor, não quero e não irá para casa dos pais. Só se ela quiser ir __ acrescenta o homem com firmeza.
__ Fazes bem, José. Ela agora não pode sair da cama e precisa ter confiança em vocês. Ela precisa de amparo e carinho. Só assim poderá restabelecer-se __ acrescenta o delegado de saúde e prossegue __ Se quiseres que te ajude estou ao teu dispor. Passarei por casa do pai de Isabella e falarei com ele. Se assim o desejares... claro!
__ Está bem Senhor Doutor. Fico muito agradecido pelo seu interesse em ajudar-nos. Obrigado!
Os dois homens despediram-se. O delegado de saúde do concelho, como havia prometido ao avô da doente, passou em casa de João Reis para dizer a este, que a filha estava muito doente e o melhor seria ele esquecer a ideia de a levar consigo.
Enquanto isto José da Silva assim que fica só corre ao quarto da neta para ver, com os seus próprios olhos, o estado de saúde da dela. Isabella tinha os olhos muito abertos pregados na parede e assim continuou como que alheia a tudo em seu redor. O avô diz-lhe baixinho:
__ Isabella como te sentes? Vá lá... olha para mim e diz-me como te sentes. A neta não responde __ o homem olha para a esposa que se encontra sentada aos pés do leito de Isabella e pergunta-lhe sumidamente:
__ Isabel que tem ela que não responde? Oh, meu Deus! A minha neta que tem ela?
__ Não lhe fales porque ela não te ouve. O médico disso que ela vai ficar assim dois ou três dias.
__ Dois ou três dias? Meu Deus __ exclama o homem assustado. Não. Não pode ser?
Ao dizer as últimas palavras o homem sai do quarto seguido pelos olhos da mulher que lhe pergunta:
__ José tens a receita?
__ Sim. Tenho __ responde o homem tristemente.
__ Então vai à farmácia. Isabella precisa dos medicamentos.
__ O homem sem responder à mulher sai do quarto. Corre até à cavalariça. Sela um dos cavalos e sai a galope da quinta.
De regresso traz consigo todos os remédios que o Doutor havia prescrito na receita, os quais são tirados da sacola pela D. Isabel e de seguida digeridos pela doente.

* * *

No domingo de Páscoa pelas quatro horas da madrugada fez-se ouvir, primeiro ao longe depois mais perto e por fim junto à Quinta das Rosas, um ruído que era, nem mais nem menos que o rodado de uma carroça. Uma carroça que ia com destino determinado, destino esse que separava os seus destinatários cerca de cinquenta quilómetros do lugar onde partira. A carroça além dos seus ocupantes transportava, mobílias, utensílios domésticos e agrícolas.
José da Silva que àquela hora da manhã estava deitado, ao ouvir o ruído levantou-se e foi ver passar a carroça com a ideia de ver a filha e os netos. Quando deixou de ouvir o ruído pensou de si para si: será a última vez que vejo a minha filha e os meus netos? Pensativo voltou para o quarto e volta a deitar-se. A mulher não está no quarto, se não tinha sido testemunha das suas lágrimas. A senhora D. Isabel estava no quarto da neta e, estava com o mesmo pensamento e tal como ele os seus olhos estavam lavados em lágrimas.
No silêncio e na sob-escuridão do quarto fez-se ouvir a voz de Isabella:
__ Avozinha já é manhã?
__ Não, não é manhã! São quatro horas da madrugada, mas vá lá dorme. Amanhã vai estar um lindo dia e, tu vais levantar-te cedo para veres as andorinhas pequeninas que nasceram ontem.
__ Nasceram avozinha? Ah, como devem ser lindas! Está bem eu vou dormir para levantar cedo. Sim?!
A avó não respondeu, apenas levantou a cabeça num gesto afirmativo. A criança fechou os olhos para dormir. Quando os volta a abrir são sete horas da manhã.
O dia acaba de nascer e no céu muito azul já o sol brilha resplandecente de luz. Aos longe o mar bate as suas ondas como claras em castelo. As andorinhas chilreiam alegremente enquanto procuram alimento para os seus filhotes. Isabella cambaleante caminha em direcção à janela do seu quarto, ao abri-la o sol entra e enche o quarto de luz. Ela fica um momento à janela a ouvir o canto dos pássaros, a olhar o orvalho da manhã, a olhar o céu e o mar muito azuis... havia apenas uma diferença __ pensou __ o azul do mar é mais azul que o azul do céu. E aquela faixa branca que separa ambos parece de algodão. Tudo é tão belo e tão cheio de amor. Tudo é tão simples, tão natural, como o nascer e o morrer. Mas eu... eu quero viver! Num impulso, como que impelida por uma mola, Isabella sai da janela vai ao armário onde guarda as suas roupas e tira um vestido seu preferido. Veste-o e sai para a rua. O seu pensamento está muito longe... pois a razão do seu sofrimento partiu há poucas horas. Ela sente um extraordinário alívio, mas pensa já nas saudades que irá sentir da mãe e dos seus irmãos, principalmente do bebé.

quarta-feira, 18 de março de 2009


CAPÍTULO - DA AMIZADE, NASCEU O AMOR

Eram duas horas da tarde quando as operárias da fábrica "A Galinha" acabaram o peixe naquele dia. Maria Augusta ao transpor o portão dá de frente com os olhos de um moço que está à sua espera. Este quando a reconhece caminha para ela. E diz-lhe:
__ Olá Maria Augusta! Como estás?
__ Eu estou bem. E tu? Como está a tua saúde? __ Pergunta a rapariga pensando na notícia de que havia tido conhecimento.
__ Eu estou melhor. Sabes? Eu gostava de falar contigo.
__ Está bem. Mas o que é que tens para falar comigo?
Perante a pergunta o rapaz empalideceu. E em silêncio caminhavam lado a lado a caminho de casa quando por fim, ele diz:
__ Maria Augusta, eu só sei que Maria José morreu ou melhor se matou, mas não sei mais nada. E gostava que me falasses dela. Como tudo aconteceu?
__ Joaquim, não é muito fácil para mim recordar toda a tragédia, mas se assim o desejas?
A rapariga conta em poucas palavras o que se passou. O rapaz sentia-se mal, mas ao mesmo tempo sentiu-se bem ao falar com alguém, daquela que amou perfundamente. Quando Maria Augusta acabou de falar olhou para ele e, vê sair dos seus olhos duas lágrimas que rolam pelas pálidas faces. Ela comovida diz-lhe com carinho:
__ Joaquim não chores. Então? Tu não foste culpado e deves esquecê-la.
O rapaz olha para ela e sente vontade de cair nos seus braços, de ouvir a sua voz doce e, de sentir as suas mãos a acariciar-lhe os seus cabelos. Em voz rouca diz:
__ Sim, Maria Augusta, talvez tenhas razão.
Ditas as palavras ambos se olharam em silêncio. Ele sente subitamente um estranho sentimento. Um sentimento que não sabe explicar. Ela ao olhá-lo estremeceu. Os dois despediram-se com a promessa de que ficariam amigos para sempre.
Joaquim Elias depois de chegar a casa dirigiu-se para o seu quarto. O seu pensamento está longe e sem querer pronuncia: "Maria Augusta, como é doce a tua voz. Como são belas as tuas palavras. Como são belos os teus olhos. Como são rubros os teus lábios. Ah! Como é possível eu nunca ter reparado em ti. E como tenho sido infeliz!" E neste pensamento olha para a fotografia que está sobre a mesinha de cabeceira e diz: " Maria José, perdoa-me. Tu sabes, eu te amei muito, mas agora que partiste para a eternidade eu preciso ser feliz para sobreviver.
A Senhora D. Mariana depois de fazer o jantar vai ao quarto do filho. Ao bater na porta exclama:
__ Meu filho, anda, vem jantar! O jantar já está na mesa.
O rapaz sai do quarto sorridente e caminha em direcção à sala de jantar. A mãe ao olhar para ele fica pensativa e pergunta a si mesma. O que se está passando com o meu filho para estar tão contente? Na sala de jantar com os três sentados à mesa a mãe pergunta:
__ Joaquim onde estiveste esta tarde para estares tão bem disposto?
__ Ora, minha mãe, que pergunta. Eu não estive em sítio algum. E quanto a estar bem disposto é o seguinte: resolvi não sofrer mais. Ela tem razão. Deixou ele escapar...
A Senhora D. Mariana não compreendeu o filho, mas ficou radiante com as suas palavras. E dá graças a Deus por aquele momento de felicidade. Ver o filho sorrir era a sua maior alegria.

terça-feira, 17 de março de 2009

* * *

Na sob-escuridão do quarto Maria Augusta olha as paredes em seu redor. Sem dormir, às voltas na cama, o seu pensamento está longe. " Mas porquê pensava ela. "Porquê havia eu de gostar dele agora, se tantas vezes tenho falado com ele? Tantas vezes! E só agora meu coração suplica a sua presença. Oh meus Deus, se eu o pudesse ver? Não! Não! Não pode ser... Maria José era minha amiga e gostava tanto dele. Morreu por ele. Não meu Deus! Não.
Maria Augusta ao contrário de Maria José era morena de grandes olhos castanhos, os cabelos eram longos e pretos como amoras, a cintura era delgada sob a anca ligeiramente saliente, a boca bem feita de lábios rosados, o nariz bem modulado rematava a elegância feminina.
Esta moça bem feita tem dezoito anos de idade e nunca amou. Mas hoje sente o seu coração preso àquele que foi o noivo da sua melhor amiga. A sua boca nunca beijada por uns lábios apaixonados, sente agora o desejo de amar e deixar-se beijar por aqueles lábios grossos do homem que pelo qual seu coração pela primeira vez palpita.
Ainda acordada Maria Augusta ouve bater as seis horas da manhã. Num impulso sai da cama e depois de se lavar, de se vestir e de tomar o pequeno-almoço vai para o emprego na esperança de voltar a ver o seu Joaquim.
Enquanto trabalha e se aproxima a hora da saída, Augusta pensa: " Ele deve de vir hoje... mas meu Deus, eu não quero mostrar que o amo! Ou será que é melhor eu sair pelo outro portão? Ah, sim é... ele não me vai ver. E se me vir? Que vou eu dizer-lhe? Ah não! Não farei isso. Vou sair pelo portão principal e pronto."
Está tão absorvida nos seus pensamentos que não ouve tocar a sereia. Quando olha em seu redor está só. Apressadamente sai da mesa de trabalho e depois de despir a bata pega na lancheira e sai pelo portão principal. Olha em todas as direcções, mas seus olhos não encontram a pessoa desejada. Triste a rapariga caminha vagarosamente em direcção a sua casa.
Uma semana depois Maria Augusta já desiludida deixou de olhar por entre as pessoas que ficavam ao portão à espera: os homens casados, das suas esposas, os rapazes solteiros, das suas namoradas e noivas e ainda os outros rapazes solteiros que não tinham namorada e iam para junto dos portões para ver as moças sair do seu emprego.
Maria Augusta tinha acabado de sair do portão e caminhava ao lado de uma sua amiga quando atrás dela ouve uma voz que a faz estremecer. " Meu Deus é ele. Ah, mas que hei-de eu fazer?"
A voz aproxima-se dela cada vez mais.
__ Augusta... espera. Eu quero falar contigo.
A rapariga olha para trás e espera pelo autor da voz que era, nem mais nem menos que Joaquim Elias. O rapaz quando chega junto dela pergunta:
__ Não me ouvias chamar?
__ Não __ diz-lhe ela com voz tremida.
__ Então __ acrescenta ele. __ Não me esperavas hoje, pois não? Pareces estar surpreendida?
__ Não. Não estou. Só que não te ouviu chamar. A amiga de Maria Augusta seguiu o caminho para a sua casa e ambos ficaram para trás. Ele pergunta à rapariga:
__ Maria Augusta tenho uma coisa importante para te dizer. Posso acompanhar-te a casa?
__ Sim. Podes. Mas o que tens para me dizer?
O rapaz olha para ela e diz-lhe:
__ Maria Augusta olha para mim. Tu vais ficar muito surpreendida com a minha mudança de sentimentos. Mas olha! Não és só tu. Eu, também fiquei surpreendido com os meus próprios sentimentos. Na semana passada quando falei contigo fiquei impressionado com a tua beleza... o que nunca antes me tinha acontecido.
A rapariga continuava a olhar nos seus olhos. Quando ele acabou, disse-lhe:
__ Joaquim estás a exagerar. A minha beleza? Oh! Mas eu não tenho beleza alguma. Sou como qualquer outra rapariga.
__ Oh meu amor para mim não! Minha querida como és simples... e como eu gosto dessa tua simplicidade. E como eu te amo! Augusta eu amo-te! Eu amo-te muito.
O rapaz sem pensar nos olhos que poderiam estar a olhar para eles abraça a rapariga pela cintura e beija-a na testa. Ela envergonhada baixa a cabeça e tenta libertar-se dos seus braços. O rapaz depois de ela se libertar dele, olha-a e pergunta:
__ Maria Augusta não dizes nada? Ou não tens nada para me dizer? Eu não quero ou melhor não te peço que me ames, mas por favor dá-me esperanças! Sim?
A rapariga olha-o e diz baixinho:
__ Eu também te amo Joaquim e também nas mesmas condições que tu, por isso acredito em ti e nos teus sentimentos. Mas há apenas um ano que a minha amiga Maria José morreu e eu não posso fazer isso. Não posso! Não posso!
__ Mas Maria Augusta foste tu que me aconselhaste a esquecê-la! Foste tu, com as tuas palavras, que me ajudaste a libertar a angústia em que vivi, este longo ano. Foste tu, Maria Augusta, o meu anjo salvador. Não me podes dizer agora que era tua amiga a mulher que eu amei. Sim. Que eu amei! Mas que já não existe e eu tenho de viver, não do passado, mas do futuro, por isso te peço não me digas para viver de recordações. Hoje que te amo.
A rapariga perante esta confissão fica a tremer, as suas mãos já nem seguram a lancheira. Dos seus olhos caem duas lágrimas. O rapaz ao olhá-la fica aflito e exclama:
__ Meu amor! Não chores... diz-me então porque choras? É assim tão terrível o que te acabo de confessar? Diz-me que não! Diz-me que não nos podemos privar de sermos felizes.
__ Sim Joaquim nós seremos felizes porque eu também te amo muito. E Maria José, lá no Céu, nos abençoará!
__ Sim, meu amor __ diz o rapaz ternamente enquanto aproxima o seu rosto do dela e lhe beija delicadamente os lábios.
Caminharam quase todo o caminho calados. Quando chegaram a casa a mãe de Maria Augusta estava preocupada com a demora da filha. Esta diz à mãe:
__ Minha mãe, nós nos encontramos e o Joaquim foi muito simpático em acompanhar-me a casa. O rapaz que a ouve diz:
__ Ah! Só fiz o meu dever de amigo. E se a Senhora me dá licença vou andando.
Ao despedir-se ele olha para ela e diz: Até amanhã, não faltarei.
Os dias posteriores àquele foram fascinantes. O rapaz a pedido da mulher que o tinha feito o mais feliz dos homens foi pedir à mãe, desta, a mão de sua filha em casamento.
A Senhora D. Enescença viúva havia já muitos anos ficou perante o pedido, como que perplexa. E quando o rapaz se afasta com a promessa de que lhe seria dada uma resposta a seu tempo pensada, a mãe diz para a filha:
__ Maria Augusta, eu fiquei de dar uma resposta ao Joaquim depois de falar contigo. Diz-me então filha. Tu gostas dele?
__ Sim minha mãe! Eu gosto dele. Gosto muito dele.
__ E que pensas fazer? Para onde pensas ir viver? Tu sabes filha? Eu estou tão habituada à tua companhia e agora tenho de ficar só __ diz a mãe comovida.
__ Mas a minha mãe não vai ficar connosco? Eu já falei a respeito com o Joaquim e tudo está resolvido entre nós. A minha mãe vai connosco e havemos de ser todos muito felizes.
__ Felizes? A felicidade é tão injusta minha filha! Não são os que merecem que são felizes. Muitas vezes são os que não merecem. Não vês a Maria José?
__ Não pense nisso, minha mãe! Mas minha mãe diga-me o que vai dizer ao Joaquim amanhã?
__ Ora! Vou dizer que sim e que tratem do casamento quando quiserem.
A rapariga ao ouvir a mãe, abraça esta com grande ternura e, diz-lhe:
__ Ainda bem minha mãe. Ainda bem que minha mãe quer que sejamos felizes. Eu amanhã digo ao Joaquim e vamos tratar dos papéis. Dentro de três meses é o casamento. Entretanto arranjaremos casa, mobílias e tudo o mais.
__ E o teu vestido de noiva? Eu quero que a minha filha vá muito bonita.
__ Vaidosa a minha mãe! __ Exclama a filha carinhosamente.
__ Então não hei-de ser vaidosa com a única filha que tenho?
Tudo quanto haviam pensado assim foi. Dentro de três meses, na igreja paroquial de Lagoa foi celebrado o casamento de Joaquim Duarte Elias com Maria Augusta da Encarnação. E desse matrimónio nasceu, ao fim de um ano, um lindo bebé que na vontade dos pais lhe foi dado o nome de Maria José da Encarnação Elias.
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Acerca de mim

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Tenho bom coração, bom carácter, gosto da humanidade em geral, gosto de crianças... diversão: gosto de ler, de escrever, conviver, gostava de ter amigos verdadeiros, como divorciada não gostava de envelhecer sozinha, estou em casa sempre que não trabalho... e gostava de ser mais feliz... encontrar alguém para amar e fugirmos à monotonia.